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Quando tinha canetas novas queria passar os cadernos todos a limpo só para as usar. Sentia-me importante, como se as canetas fossem uma relíquia que me ia fazer aprender a matéria melhor. Como seria tão mais fácil estudar agora que tinha aquelas cores todas, saídas de canetas novinhas, cheias de vontade de escrevinhar o que eu tinha de copiar do quadro. Uma cor para o título, outra para fazer bolinhas para os tópicos, outra para sublinhar. Gráficos semelhantes a arco iris. Quando tinha canetas novas decidia-me a nunca mais riscar uma palavra errada na pressa de não perder o que os professores estavam a dizer. Com aquelas canetas a mão ia dar à sola, ia escrever sem erros, respeitando os acentos e as vírgulas. Nunca mais me havia de faltar um ponto final. Até os testes iam correr melhor.
Quando tinha canetas novas e os cadernos eram de argolas tirava as últimas páginas e passava-as a limpo com todo o método e rigor que tinha visualizado. Quando em vez de caderno tinha dossier, desfazia-me também das últimas folhas para as repor refeitas, mais delicadas, com as cores no sítio certo, sem remendos.
Tive BICs de todas as cores, mas a minha predileta era uma caneta gorda com mais de dez cores em que cada cor tinha um perfume diferente. Escrever títulos com cheiro a framboesa. Que maravilha.
Quando era miúda era assim, perdia-me com economato. Gostava de comprar canetas, lápis e borrachas. Depois de crescida vejo-me igual, vou comprar o material escolar para o meu filho e sinto que há tantas canetas que eu podia comprar. Só que agora não tenho de pedir à minha mãe. Pego nas embalagens e penso, cheia de certezas, que, se tivesse aquela caneta para escrever, de certeza que o meu caderno de apontamentos não estava todo rabiscado, um autêntico mural de pinturas rupestres. Depois lembro-me que a minha letra é horrível, que não há canetas que a salvem e volto a deixá-la no lugar. Mas há uma, uma caneta que queria encontrar mais do que o cálice sagrado. Havia umas canetas feitas de borracha reciclada, o formato era mole e meio quadrado, o bico era largo. Tive uma, que perdi e nunca mais encontrei uma caneta que escrevesse tão bem a minha letra.