Uma casa feliz tem migalhas no chão
A minha casa feliz cheira a bolos no fim de semana. Bolos feitos com duas canecas de farinha, duas canecas de açúcar e claras batidas em castelo. A minha casa feliz tem pelos de cão até na roupa acabada de passar. Tem chaves pousadas no sítio errado, tem comandos que desaparecem. A minha casa feliz tem gargalhadas a propósito de nada. Tem manchas no chão que contam uma história que ainda não foi apagada pela esfregona. A minha casa feliz tem canecas desirmanadas com mensagens tolas. A minha casa feliz tem pais que abraçam sem razão e ralham quando é preciso, que gritam quando chamam para a mesa e perguntam, sabes que te amamos muito?, antes de deitar. A minha casa feliz tem crianças a correr, tiradas inusitadas e cortinados em perigo. Tem desentendimentos injustificados que se esquecem com uma piada fora do esperado. A minha casa feliz tem peças que não conjugam nas cores. Tem plantas que murcham por ter demasiada água. Tem trabalhos feitos na escola, papéis por arrumar e pacotes guardados com uma bolacha lá dentro. A minha casa feliz tem pais cansados, que dão as mãos sentados no sofá. Tem pais que arranjam desculpas para não ir ao parque. Tem filhos que arranjam artimanhas para fugir aos trabalhos de casa. A minha casa feliz tem vida, coisas fora do lugar, conta a história de quem mora lá dentro, o dia que tive, como começou a manhã. A minha casa feliz não aparece em revistas, está atrás da porta, cheia de tarefas domésticas empurradas com a barrida para uma manhã de fim de semana.
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