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Exercício de escrita

Uma casa feliz tem migalhas no chão

24.04.22

A minha casa feliz cheira a bolos no fim de semana. Bolos feitos com duas canecas de farinha, duas canecas de açúcar e claras batidas em castelo. A minha casa feliz tem pelos de cão até na roupa acabada de passar. Tem chaves pousadas no sítio errado, tem comandos que desaparecem. A minha casa feliz tem gargalhadas a propósito de nada. Tem manchas no chão que contam uma história que ainda não foi apagada pela esfregona. A minha casa feliz tem canecas desirmanadas com mensagens tolas. A minha casa feliz tem pais que abraçam sem razão e ralham quando é preciso, que gritam quando chamam para a mesa e perguntam, sabes que te amamos muito?, antes de deitar. A minha casa feliz tem crianças a correr, tiradas inusitadas e cortinados em perigo. Tem desentendimentos injustificados que se esquecem com uma piada fora do esperado. A minha casa feliz tem peças que não conjugam nas cores. Tem plantas que murcham por ter demasiada água. Tem trabalhos feitos na escola, papéis por arrumar e pacotes guardados com uma bolacha lá dentro. A minha casa feliz tem pais cansados, que dão as mãos sentados no sofá. Tem pais que arranjam desculpas para não ir ao parque. Tem filhos que arranjam artimanhas para fugir aos trabalhos de casa. A minha casa feliz tem vida, coisas fora do lugar, conta a história de quem mora lá dentro, o dia que tive, como começou a manhã. A minha casa feliz não aparece em revistas, está atrás da porta, cheia de tarefas domésticas empurradas com a barrida para uma manhã de fim de semana.

 

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Vamos falar da semana antes de entrar de férias.

08.04.22

Vamos falar desse fenómeno do entroncamento. É uma porra saída das catacumbas do triângulo das Bermudas. Porque não há explicação possível. A semana de trabalho antes de entrar de férias é sempre um inferno cheio de enigmas, ratoeiras e rasteiras. Não há merda que não aconteça. É o computador que vai abaixo, é o Jorge Miguel da Logística que tem uma questão com o ar condicionado, é o Juvenal da contabilidade que não entende uma fatura e a gente nem sabia que o Juvenal trabalhava na contabilidade e passam-se ali vinte minutos stressantes numa chamada em que se pensa: porque raio é que o Juvenal me está a ligar por causa de uma fatura? Quem é o Juvenal, mesmo?

Os empecilhos aparecem como nenúfares de poia pestilentos que despencam do céu apontados em voo picado diretamente à mona da pessoa. Parece o Matrix dos Jogos sem Fronteiras, mas e o Eládio Clímaco.

Há sempre alguém que precisa de falar urgentemente com uma pessoa, exatamente nas últimas quatro horas do dia quando o tempo estava - de acordo com todas as dicas de organização dos livros mais vendidos – bloqueado como inegociável para que não ficassem quaisquer pendurezas. Durante os últimos três meses em que a pessoa está ali dia após dia disponível, sem se ausentar mesmo em cenário de diarreia severa, nem uma palavra. A pessoa vocaliza um: vou estar de férias para a semana e a aflição instala-se. Às vezes ainda penso: será que é pré-saudade? Ansiedade de separação? Mas não, é outro acontecimento inexplicável. Não só irrita como perturba, causa um agastamento que depois se concentra no estômago e congemina úlceras tramadas. A pessoa vai estar cinco dias fora e que a pessoa vai estar fora sete meses ou que vai tirar uma licença sabática por um ano para ir para a India descobrir a alma e o equilíbrio interior. A pessoa entra de férias a precisar de ir de ir de baixa para depois estar mentalmente sã para ir de férias.

 

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A vida e os apontamentos sobre ela

#12

05.04.22

Hoje, quando estava a sair do veterinário, depois de lá ter deixado em dinheiro um par de calças da Salsa, olhei para o Bob e pensei: porque é que eu não arranjei um rafeiro e fui atracar-me a este porco roncador que se bufa desmedidamente e tem o mesmo nível de cálcio nos ossos que uma velha de 85 anos? Depois o gajo olhou para mim com aquela cara que parece ter um par de olhos de pessoa e eu disse-lhe: vá, anda lá, dou-te uma rodela de chouriço de Estremoz quando chegarmos a casa.

Enquanto aguardava que ele descobrisse algo ilegal entre as ervas ocorreu-me que a Madonna devia falar com o nosso novo ministro das finanças para o persuadir a criar um galardão que vise premiar o cidadão português do ano. Valentia, civismo e sofrimento suportado. O prémio seria uma viagem às Seychelles com tudo incluído, na qual seria proibido levar crianças e assim as pessoas com filhos podiam olhar para os putos e, com o mais profundo lamento, dizer: a mamã queria muito levar-te para uma ilha de água cristalina com areia branca e cocktails com flores, mas o Governo não deixa. Tenho mesmo muita pena. Agora vai lá comer a açorda que a avó fez e não atrapalhes que a mãe tem de fazer as malas e não se pode esquecer daquele vestido com flores.

Se este prémio avançar informo desde já que, de entre os 11 milhões de portugueses, estou à frente nesta parada e tenho fortes condições para ser a vencedora.

Porque:

Tenho uma intolerância à lactose. O meu filho disse-me que quer ser comediante, e todos sabemos que isso é cada vez mais uma profissão de risco. Tenho 3 cães e estão todos mais para lá do que para cá. Um está velho, só tem um dente e anda à porrada com ele próprio contra o espelho; a outra está velha, teté e surda que nem uma porta; e o mais novo está mais entrevado do que os dois velhos e já anda a comprimidos de cálcio e calogénio. Eu preciso de calogénio para as trombas e o cão é que anda a mascar aquilo em cápsulas.

Há 17 anos que trabalho sem conseguir fugir com um cagagésimo de cêntimo ao fisco.

Estes joelhinhos de princesa, só para chegar a casa, já subiram mais de 300.000 degraus desde que moro na minha casa.

Desafio quem quer que seja a merecer mais do que eu. Não há.

 

 

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Casados para desenrascar

02.04.22

 

Pessoa que está a gerar ser humano e tem de desanuviar vê programas de qualidade questionável e fraca elevação intelectual. Vamos já alinhar essa bitola. Maneiras que tenho dado um acompanhamento rasante - assim como que de passagem - ao Casados à primeira vista e tenho a fazer as seguintes considerações:

1. Não faz sentido que sejam todos muito exigentes e esquisitinhos, mas depois põem-se a jeito para ser ajuntados às cegas. Cheira a esturro. É a mesma coisa que eu enjoada, dizer a outra pessoa que escolha a refeição por mim porque gosto de surpresas.

2. Mandar para ali a Diana Chaves vestida como uma princesa da Disney (ver fotos 2 e 3) e depois esperar que o noivo queira levar a noiva de bom grado é gozar com a cara da pessoa. É a mesma coisa que oferecer um Ferrero Rocher a um gajo que está sedento por um chocolate e depois dizer-lhe que afinal é melhor papar uma peça de fruta Paulo Jorge. Atenção que as noivas são bonitas por fora, por dentro não sei porque não vi os exames, mas a Diana Chaves é um canhão. E é um canhão vestido de alto gabarito, não é ali na loja da esquina na Cruz de Pau. Sem qualquer desprimor para com a Cruz de Pau, apesar de ser localidade que eu não simpatizo por aí além. Eu não convidava a Diana Chaves para o meu casamento, mesmo que ela fosse vestida com um saco de batatas.

3. A maioria dos noivos e noivas não precisa de um cônjuge, precisa de um grupo de amigos novos. Atentem aos comparsas e entenderão.

4. Pessoas do sexo masculino que têm protuberâncias abdominais ao nível do sexto mês de gestação, devem afastar-se de calças skinny. Aliás, deixem-me reformular, mandem fechar as fabricas que fazem calças skinny para homens.

5. Agradeço o entretenimento que me proporcionam, mas jamais compreenderei o que é que leva uma pessoa que se diz reservada e muito seletiva a pedir a pedir a um programa que lhe arranje parceiro/a por métricas estatísticas, a menos que seja para aparecer na televisão, conhecer a Diana Chaves ou tornar-se num influencer que tem descontos de 10% em pomadas naturais.

É isto.

 

Nota: eu vejo o programa para ver a Diana Chaves e tirar apontamentos para os meus objetivos estéticos de 2023.