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Exercício de escrita

Agosto às 5

Dia 2

02.08.22

Ontem, depois dos testes domésticos positivos, recebemos códigos do SNS para irmos fazer o PCR a um posto de testagem. Eu fiquei no carro, com o ar condicionado ligado para me custar menos, o Nuno foi tirar senha e registar a nossa entrada, assim ele tratava das burocracias e eu só entrava quando fosse preciso o meu nariz. Enquanto esperava no carro percebi que a clínica estava apinhada de pessoas cuja idade média estaria claramente acima dos sessenta e que a profissão mais frequente era reformado/a. Nada contra, até porque qualquer dia sou eu (assim espero), mas todos sabemos que se há gente impaciente é um idoso reformado que não tem nenhum sítio para estar a seguir.

O Nuno, depois da papelada tratada e do nariz violentado, veio chamar-me, a enfermeira já me esperava na sala ao fundo. Quando entro na clínica está um homem a esbracejar com duas canadianas. Os paus no ar, sujeitos a arrear uma mocada não propositava em quem passava. Estava possesso, indignado. Dizia que tinha dois pés, que tinha pago o raio-x aos dois pés e só lhe haviam dado um. Não ouvi mais do que isso, porque quando me enfiaram a zaragatoa borrifei-me para a envolvência.

Quando cheguei ao carro o Nuno perguntou-me se tinha corrido bem, ao que respondi: o teste sim, estive foi quase a levar uma porradona de um velho que estava a brandir duas canadianas no ar. Ao que ele me responde: ah esse! E começou a rir-se. Prosseguiu então para me explicar o seguinte: o senhor tinha um problema em ambos os pés e por essa razão havia sido feita uma radiografia a ambos os pés. Lado a lado. A imagem dos pés aparece, lado a lado, na mesma imagem de raio-x, mas, o proprietário dos pés, como tem dois pés, queria dois documentos, isto porque considerava que tinha de ter um documento por cada pé, mesmo que esse documento tivesse a mesma imagem dos dois pés.

A assistente estava desesperada.

E eu pensei que seria tão bom que recuperássemos um jogo medieval, daqueles que incluíam um alçapão debaixo dos pés. Podia haver um provedor do bom senso e, quando estas situações acontecem, o provedor informaria o concorrente de que estava eliminado, carregava num botão dourado e a pessoa ia alçapão abaixo.

 

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Agosto às 5

Dia 1

01.08.22

Agosto às 5.

Vai ser assim que vou chamar esta espécie de desafio que propus a mim mesma.

Estou em casa, em repouso, começo o mês com o bicho agarrado a mim.

Durante a semana o Nuno sai para o trabalho ou enfia-se no escritório, submerso nas suas reuniões e tarefas. O pequeno vai para os avós, para que se entretenha com idas ao jardim nas horas de menos calor. Não faz sentido que o obrigue a esta cláusula desnecessária. E eu fico com os cães, quase tão desesperados quanto eu com o calor. Para companhia tenho a televisão, os livros e a minha cabeça (menos recomendável que as anteriores).

Vou à janela e vejo lá fora as pessoas cuja vida costumeira tem de continuar apesar da estranha sensação de que deveriam estar esparramados na praia, vejo os emigrantes que chegaram de Inglaterra, Espanha e França. Chegaram para matar saudades da família e do bom tempo. Sei que cá estão porque enchem o parque de estacionamento da praceta com as suas matrículas estrangeiras. Hoje com carros banais, em vez do habitual Mercedes polido e guardado para o querido mês de agosto. Na internet vejo praias, resorts, instâncias de atividades aquáticas no rio. Pessoas de biquíni e roupas leves, a comer pratos coloridos, com os pés de molho e os cremes que intensificam o bronze. Na internet o mundo parece parado e quando se mexe está no Algarve, na Comporta, em Troia ou numa ilha paradisíaca.
E eu estou aqui, com alguma inveja. Nem da boa nem da má. Inveja, só assim. Com pena de não poder estar de molho também, a caber num biquíni da moda. Estou aqui a fazer figas, para que não precise de nada com as urgência dos serviços de saúde que estão pela hora do capeta.

Então dei comigo a pensar que, para me entreter e mais tarde recordar, vou escrever uma publicação por dia até ao fim do mês de agosto. Todos os dias às cinco da tarde. Fica para mim. Fica para ela. Fica para quem, tal como eu, está à espera que agosto passe.

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