Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Exercício de escrita

Pôr ou não pôr as fotos dos filhos nas redes sociais

26.10.22

Os meus filhos são os mais lindos do mundo. Para mim, naturalmente. Podia passar o dia a esfregar fotografias deles na cara das pessoas até que começassem a vomitar os meus descendentes pela retina. Mas não o faço. Não o faço porque ainda não estou resolvida com esta coisa de ter as fotografias dos meus filhos nas redes sociais. Quando muito umas pernas gordas, perfil que só se vê com muito zoom, uma nuca que pode ser do filho do vizinho. Não o evito por ter medo de predadores e afins, desses tenho medo em sítios onde estão em carne e osso, mas porque não sei o que é quanto baste. Onde fica o suficiente e onde começa o uso desmedido da imagem de alguém que, apesar de ter saído de mim, na verdade não me pertence e tem direito a dizer: mãe, não quero a minha imagem espalhada pela internet afora?

Quando penso neste tema tendo a sentir-me ridícula. Falo deles, conto peripécias, não consigo evitar envolvê-los naquilo que escrevo sobre mim, uma vez que fazem parte da minha história e marcam tanto daquilo que sou. Será que não vai dar ao mesmo ou a algo muito aproximado: falar deles ou mostrá-los?

Quando este tema vem a lume fico sempre dividida: por um lado penso que pôr fotos dos filhos nas redes sociais é uma coisa cada vez mais natural, por outro parece-me excessivo, seja pela quantidade, seja porque os pais, sendo pais e não proprietários, estão a usar a imagem dos filhos sem a sua verdadeira autorização.

É complicado, parece-me. Mais ainda porque venho de um tempo em que as fotos dos filhos só eram esfregadas nas trombas de outras pessoas quando, acompanhando um cafezinho, a minha mãe metia os álbuns goela abaixo dos convidados, ou quando a fotógrafa punha a foto que lá tiráramos na montra.

Às vezes tenho vontade de partilhar mil fotos, mandar a internet abaixo em likes com estas caras maravilhosas, mas contenho-me. Pelo menos até ter os meus berlindes alinhados quanto a essa matéria.

Para já só sei que gosto que as pessoas aqui passem pelo que escrevo e não para ver os meus herdeiros.

Duas crises e uma pandemia

24.10.22

20221022_211021.jpg

 

Para o ano faço quarenta anos e por essa altura levarei no lombo duas crises e uma pandemia.
São projetos que se adiam porque a incerteza está sempre à porta e atrás dela o medo de perder tudo aquilo para o qual trabalho. Ficam em espera a casa nova com um pouco de jardim para as crianças brincarem, o carro novo, a viagem de que ando a falar há dez anos. Com sorte mantenho um emprego que me dá alguma estabilidade, mas nunca me esqueço de que o tenho com alguma sorte, já que há tanta gente com a mesma idade, o mesmo nível académico, certamente tão ou mais capazes do que eu e que são arrastados de trabalho precário em trabalho precário.

Não quero uma casa melhor a troco de que alguém tenha tenha ficado sem teto porque não conseguiu pagar a prestação ao banco. Não quero um carro novo mais barato porque alguém estrangulou as suas margens para conseguir vender.

Quero que a vizinha da pastelaria continue a ter negócio porque as pessoas podem lá ir tomar o pequeno-almoço, quero que o cabeleireiro continue a ter velhotas a fazer a mise todas as semanas, quero que os pequenos negócios que alimentam tantas famílias persistam.

Quero sentir que os preços não são manobrados nos supermercados e ter uma justificação aceitável para o aumento de alguns bens, para o sobe e desce do litro de combustível.

E para um povo com a classe média estrangulada, com aqueles de parcos rendimentos a começar a passar fome, temos um presidente papagaio e um governo em cama de conflito de interesses. Gerir um país numa pandemia seguida de uma crise não é, reconheço, pêra doce, mas agora, mais do que nunca, precisamos que quem está ao leme nos transmita confiança, não pela semântica - estamos fartos disso - mas nas ações, na gestão.
Eu preciso disso, para mim, para o futuro dos meus filhos.
Acho que todos precisamos.

Esperemos que ainda nos reste a empatia pelo outro, que consigamos ajudar quem precisa de comida, que se ofereçam as roupas que já não servem aos miúdos em vez de as vender nas muitas plataformas de vendas em segunda mão. É certo que não ficamos individualmente mais ricos, mas pode ser que assim consigamos evitar que fiquemos coletivamente (ainda) mais pobres.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

Podem acompanhar-me no Instagram aqui.

Um passeio no jardim

23.10.22

Poucas coisas na vida igualam o bem estar e a serenidade de um passeio ao ar livre. Estar no meio da natureza, em simbiose com os aromas das árvores e das flores. O ar puro. Fazê-lo com os meus filhos eleva a fasquia a outro nível.

Sinto que em vez de estar em sintonia estou a marrar com os campos. Assim como quem bate com o focinho numa colmeia e é perseguido pelas abelhas por três quilómetros enquanto elas lhes picam a mona até à exaustão. Levar os meus filhos comigo é como levar um belo e majestoso pica pau que me fornica a massa cinzenta até ao estado de iogurte batido.

A trotinete está avariada. Posso saltar dali? Quero ir ver os patos. Uéééé Uéééé. Pronto, pronto. Colo. Atão e a minha trotineta? Não cabe o meu pé na trotineta. O chão está muito a descer. Porque é que põem calçada aqui? Aqui é a subir, custa mais. Uéééé Uéééé. Pronto, pronto. Colo.

Mãe, olha para mim. Mas olha-olha-olha-olha-olha. Já olhei. Uéééé Uéééé. Pronto, pronto. Colo. Acho que não viste vou fazer outra vez. Mãe, caí. Uéééé Uéééé. Pronto, pronto. Colo.

Não te metas à frente das bicicletas. Encosta-te à direita. Olha o senhor. Não venhas com isso para perto das minhas pernas. Uéééé Uéééé. Pronto, pronto. Colo.

Posso ir ver os patos? Posso ir ver a placa dos animais? Posso ir saltar daquelas pedras? Posso descer daqui. Posso ir ali ver aquilo? Uéééé Uéééé. Pronto, pronto. Colo.

No fim o meu filho disse-me: adorei este passeio. E tu, mãe?

Na ótica de quem deseja falecer de forma fulminante atingido por um raio no alto da pinha, também gostei muito.

Aquário, d'Capicua

18.10.22

20221018_105739.jpg

Este é o primeiro livro que termino depois de a Inês ter nascido. Não é fácil encontrar tempo e disponibilidade mental para ler quando tenho um bebé de dias (agora quase mês e meio) em casa. Aliás, não é fácil encontrar tempo, disponibilidade ou rotinas para nada. Os bebés, parece-me, são o kriptinight das rotinas. Comecei três outros livros, muito bons por sinal, mas não estava a conseguir dar-lhes a atenção que mereciam. Então, quase como que por mensagem do santo padroeiro das mães ensonadas, saiu o Aquário da Capicua. Crónicas, textos, letras. Construções de ideias que me permitiam um ou dois textos com cabeça tronco e membros antes de deitar.
Temas nos quais me revejo, que estão agora, mais uma vez, à flor da pele.
A escrita é uma delícia, eloquente sem ser fanfarrona, deixa-me a querer mais.
Gostei de navegar nestas palavras e nesta cabeça que pensa tanta coisa da mesma forma que eu.
A somar a isto, calhou bem, agora que entra na minha vida uma filha. Li para ela pedaços. Li porque gosto de ler para os meus filhos. Mesmo que não entendam as palavras. Li porque gosto que os meus filhos vejam a mãe a ler e percebam que os livros nos acrescentam sempre algo. Li porque quero que saiba sempre que, de entre muitas coisas aqui tão bem esplanadas, o lugar da mulher, o lugar dela que um dia será mulher feita, é onde ela quiser.

 

Mais sobre o livro aqui.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

 

As redes sociais estão estranhas

17.10.22

As redes sociais estão estranhas. É, penso, um reflexo desde mundo que parece andar do avesso. As publicações oscilam, na sua maioria, entre extremos. Por um lado a perfeição, a felicidade suprema, a beleza, a superação, a força de vontade, a conquista, os sorrisos imaculados. Por outro, a desgraça, as imagens chocantes, os dedos erguidos, as indignações, os textos de repúdio sobre o repúdio do repúdio que esmifram os temas de tal forma que do assunto que lhes deu origem já não resta nada. Partilhas aos magotes, comentários acesos, dedos rápidos no gosto que acompanha a validação do descontentamento.
No meio o quotidiano esmurece, para quê mais vida banal se essa já temos fora do ecrã?
Assim proliferam os opostos: o mais belo e o hediondo.
Todos participamos para que assim seja, porque a beleza é a que gostaríamos de ter, porque o feio nos mexe com as entranhas.
Resta a falta de pachorra, de tempo, de vontade e atenção para outras matérias. Passam-se à frente os textos com mais de três linhas, não se partilha o que não se acompanha de dedo em riste, não se deixa sequer gosto porque a falangeta está já pronta para o scroll e há que despachar para ver onde é que há paraíso ou carnificina.
Poucas ou raras vezes nos damos ao trabalho de dizer, a quem nos entretém sem radicalismos, que gostamos do que nos oferecem.
Por isso aproveito esta publicação para dizer o que me tem ajudado @apitadadopai com os lanches do miúdo, o quanto gosto da @ser_super_mae_e_uma_treta que trata a maternidade por tu, do regalo que é ler o quotidiano contado pela @anasousaamorim e é pena que escreva cada vez menos, que as dicas que tiro da @senasaudaveis me ajudam a treinar, que me divirto muito com a @miss.caco , de como a @araparigadaserra é uma fofa com pelo na venta, que leio as newsletters da @lenia_rufino enquanto dou de mamar, que gosto das recomendações livrescas do @blogministeriodoslivros e que me escangalho com o @confissoesdumlivreiro . Há muita coisa boa por aqui, cabe a cada um de nós primeiro escolher e depois não ter pejo em recomendar.
E sim, isto também é sobre mim, que não quero ser instagramer, mas gosto de ter quem leia. Porque 10 é bom, mas 1000 pode ser melhor.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

 

Anotações de fim de dia

13.10.22

Nos últimos dias tenho pensado todos os dias: nos próximos tempos vou parar com as redes sociais. Vou pousar o telemóvel, vou pensar só nas coisas cá de casa, aproveitar cada suspiro e parar de encher feed com divagações que só me interessam a mim. Mas depois ocorre-me mais isto ou aquilo para escrever e cá estou de novo, a poluir espaço, a publicar anotações que provavelmente ficariam melhores guardadas nos confins da minha tola.
Mas há sempre uma ou duas pessoas que gosta de ler, que me diz que lhe soube bem ler o texto, e eu, numa certa vaidade imbecil, apareço para mais uma volta no carrossel.

Apercebi-me recentemente de que cada vez mais gosto de escrever porque cada vez menos gosto de conversar. Noto com frequência que apenas com a escrita consigo começar e concluir um raciocínio sem sentir que tenho de me apressar a chegar à reta final do tema antes que o interlocutor fique enfadado com a minha lengalenga. Sinto que o espectro de atenção do outro está cada vez mais curto e que a minha falta de voracidade a deglutir temas causa uma vontade imensa de fazer fast foward. Sei que se pudessem espetavam-me o indicador nas trombas e faziam scroll sem pensar duas vezes.
Parece-me que isso acontece porque a capacidade de ouvir está cada vez mais diminuta. As pessoas querem desbravar temas com a rapidez de um funcionário do Lidl a passar artigos na caixa. Fazem-no porque há demasiadas coisas para gerir, fazem-no porque também é assim com elas quando precisam de falar, fazem-no porque por melhor que seja a vontade são também pessoas que precisam de ser ouvidas e, quando se disponibilizam para escutar o outro, dão consigo em menos de nada a inverter os papéis e a tornar a conversa sobre si. Sobre o que gostariam de falar ou de ter falado com alguém.
Tem-me acontecido de quando em vez. A gravidez e o nascimento da bebé é o ponto de partida para me perguntarem por mim e ao fim de pouco tempo sou eu que estou a ouvir.
Não me irrito, mas farto-me depressa. Acima de tudo porque me deixa ansiosa a incapacidade de terminar um tema de fio a pavio.
Não sei se isto acontece porque estamos todos mais egoístas, porque estamos menos interessados nos outros, porque a vida nos engole e também precisamos de um par de ouvidos que nunca aparecem a menos de paguemos bem à hora. Pelo menos agora a terapia começa a ser uma necessidade normal, ainda que haja caminho para fazer. Não sei se é assim porque nos sentimos cada vez mais sozinhos, sem sentido de camaradagem, empatia ou comunidade.
Sei, apenas e só, que nesta vida de velocidade F1 tenho a sorte de ter a meu lado alguém sempre disponível para conversar e para ouvir as minhas divagações. Tenho a sorte de ter a escrita, que me permite fazer este exercício para arrumar ideias e compôr os ficheiros do meu arquivo.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

Não

11.10.22

Sempre tive facilidade em dizer não a pessoas de que não gosto, a pessoas que não sinto que me façam falta, a pessoas pelas quais não tenho qualquer respeito intelectual.

Sempre tive particular dificuldade em dizer não a pessoas de quem gosto, a pessoas cuja aprovação procuro, a pessoas cuja capacidade intelectual me encanta de tal forma que sinto que dizer não é ficar aquém, falhar.

Nunca tive uma relação saudável com o não. Hoje sei que assim é porque sempre o geri como sendo uma palavra dos outros, com impacto para os outros. Não é.  É uma palavra minha, que deve ser gerida em função dos meus limites, daquilo que sou, do que quero, do que aceito, de onde estou disposta a ir.

Quando o Ricardo nasceu aprendi a usar o não sem remorsos. Um não assertivo para todos, menos para ele. Para ele guardei o não com culpa, o não da mãe insuficiente, o não que pesa, o não da frustração.

Com o nascimento da Inês percebi, mais uma vez, que tenho dificuldades em usar o não. Tenho remoído este assunto. Assim tem sido porque há solicitações de todos os lados, porque temos de dizer que não a um filho, amanhã a dois. Também por eles, mas acima de tudo por nós, pela nossa sanidade, para que cheguemos à velhice sem ressentimentos porque os filhos isto e eles os pais aquilo. Tenho sentido uma necessidade imensa de dizer não. Um não que não carrega a pena ou uma empatia palerma ou a necessidade de explicar e quase justificar as minhas escolhas.
Os pais do meu tempo rir-se-iam ao ouvir alguns destes esclarecimentos-justificação.

Na primeiras duas semanas enquanto mãe de dois, dona de três cães, pessoa com tudo para ficar tantã; nas primeiras duas semanas ia perdendo os berlindes. Depois decidi que o não ia ser o meu melhor amigo e que ia usá-lo sem medo e sem culpa. Sei que não digo que não só por dizer. Tem havido alguma estranheza nos recetores, mas a minha cabeça está mais limpa e não se sente obrigada a pensar mais no que os outros querem do que naquilo que eu preciso.

No fim noto que o que me poupo em desgaste me deixa ser uma pessoa mais leve e que está mais inteira quando e onde preciso de estar.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

Lamechices da vidinha

08.10.22

O pediatra diz: olhe que a habitua mal. E eu penso: mas ela ainda agora é assim e eu já tenho saudades do tempo em que ela é assim. Porque nos dizem: aproveita que passa depressa. Mas o sono é muito, a desorientação não ajuda e quando damos conta o tempo passou e pensamos: para onde raio foi o tempo em que eras um bebé frágil ao meu colo? Em que eu era a rocha mais forte, o conforto supremo?

Os velhos do Restelo dizem: depois nunca fica na cama e a culpa é tua. Deixa ser. Já tenho tanta culpa, arco de bom grado com mais essa. É que assim, apesar das dores nas costas, do ardor que me consome o lombo, apesar dos braços doridos, no peito e na cabeça fica o cheiro, fica o toque, fica a pele mais suave do universo. Fica nela, quero acreditar, algo inconsciente que a liga a mim e à segurança do meu toque. A mim, mulher fraca, insignificante, medrosa, sombra de gente, que cresce dez vezes o seu tamanho para ser um escudo para ela. As mães são assim, descobri há sete anos, crescem para lá do seu tamanho, ganham forças que não sabiam ter e depois ficam chatas quando eles já não precisam de andar pela mão.

É que os filhos não percebem que chegam e nos ocupam o peito quase todo. Deixam migalhas para tudo o que demais há. Ficam com as mãos que passam a estar sempre ocupadas para levar entrelaçada a sua relíquia. Mas as relíquias crescem, ganham uma vida que é só delas e as mães ficam com as mãos só para elas e têm de reaprender a existir levando consigo os cheiros e as memórias.

Acho que é por isso que as mães parecem egoístas e quando vêem outras com os bebés recém-nascidos ao colo insistem em contar como era o seu, os seus. É que nesse breve momento em que contam o passado, os filhos voltam ao seu colo, de mãozinhas desajeitadas debaixo do queixo, a sorrir de quando em vez na mais plena e simples felicidade.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

 

A vida e os apontamentos sobre ela

03.10.22

A minha mãe era costureira. Não por vocação ou por opção, mas porque naquele tempo as mulheres faziam a quarta classe e iam para a costura. É-me impossível recordar a minha mãe sem a ver de bata, sentada atrás da sua Singer, no canto da nossa marquise, de pés no pedal e mãos mestras no tecido. O orgulho de nunca ter costurado um dedo por acidente e por conseguir a simetria perfeita dos padrões. Ao canto, perto da janela, preso com um laçarote, estava o rádio que tocava todo o dia. De manhã ouvia o António Sala e sorria como uma menina quando, a meio da tarde, a casa mais sossegada, alguém anunciava que a seguir havia de tocar Marco Paulo.

Quando lhe sobravam restos de tecido dos trabalhos, arranjava tempo para, entre costura, provas e as tarefas domésticas, costurar um vestido para as minhas bonecas. Outras vezes chamava por mim, porque uma cliente não queria um metro de tecido e daquele pedaço sairia uma saia, um vestido, um macacão janota para eu vestir no dia seguinte quando fosse para a escola. Roupa à pressão, era como lhe chamávamos.

Naquele tempo o amor não era dito em palavras, transparecia escondido nestes pequenos gestos de quem, entre o peso das responsabilidades, olhava para a filha pequena e fazia das tripas coração para lhe dar um agrado.

As mãos que tão bem construíam a roupa não tinham o mesmo toque para a culinária, por isso repetia os mesmos pratos, aqueles que havia aprendido a fazer ao jeito que se apreciava lá em casa. O caldo verde muito aguado, o coelho frito, o arroz de salsicha, a aletria, o arroz doce, o pão-de-ló.

Às vezes acordava com essa vontade, de fazer um bolinho para agradar aos filhos que, contentes e à vez, iam lamber a taça da massa. Aquela mistela por cozinhar que, se fechar os olhos, tem o melhor da minha infância a cada lambidela.

Hoje fizemos um bolo. Preparei os ingredientes. Havia farinha por todo o lado. No fim, depois de vertida a massa para a forma, o Ricardo pegou na espátula e esteve a rapar a taça. Dizia, satisfeito: mãe, não sei como estará o bolo, mas a massa pelo menos está que é uma maravilha.

Eu lembrei-me da minha mãe, e em vez de chorar de saudades, vim escrever isto.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

 

Pág. 1/2