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Exercício de escrita

Nota

29.11.22

A gerência informa que as amanhã não haverá publicação diária, por contas que:
- tenho 545565 fraldas para trocar;
- tenho metade da newsletter para acabar de escrever;
- há newsletter e depois já é demais de mim para aturar.

Entretanto, se quiserem, podem ler a última newsletter no link abaixo e se tiverem mesmo muitas saudades (há gente assim), recomendo que fechem os olhos e imaginem a Rita Pereira nua a meter uma embalagem de douradinhos no forno. Vão ver que vos passa logo.

Link aqui

Vinte e dois

29.11.22

Sou do tempo do MIRC mas nunca usei. Tive uma conta no HI5 a que mal acedia pq me fazia confusão falar pela internet qd podíamos estar a beber um café à beira da praia e a rir olhando para a cara uns dos outros. Nesse tempo trabalhava 6 dias por semana, sempre ao telefone, em 4 dos quais tinha faculdade até à meia noite, por isso qd tinha tempo livre queria ar, sol e pessoas em carne e osso com quem falar.

Quando conheci o Nuno ele tinha criado há pouco tempo um blog. Foi na altura em que muitas das coqueluches da escrita também o fizeram. Ele adorava, eu não entendia.
Anos mais tarde, em 2014, fechada em casa, sozinha, gravidissima, decidi criar o meu primeiro blog. Sempre gostei de escrever, mas nunca me tinha dado para este tipo de plataforma pq o que eu queria era escrever histórias. Isto de escrever sobre mim era novo. Para minha surpresa ajudou-me bastante pq, tal como desta segunda vez, me permitiu espreitar o mundo lá fora, onde há crescidos a falar de outras coisas.
Para além disso era uma forma de trabalhar a escrita e encontrar quem quisesse ler.

Depressa percebi que tenho uma tendência para chegar tarde. Cheguei aos blogs quando já quase ninguém lia. Cheguei ao Facebook quando já só se liam gritos e começava a cheirar a ranço. Cheguei ao Instagram quando foi comprado e aos poucos foi perdendo o conceito puro, passando as contas a ser manobradas por um algoritmo que quer estratificar comportamentos e fazer dinheiro. Há horas boas e más. Há periodos em que parece que estamos de castigo. Há uma clara tentativa de fazer com que se pague por posts patrocinados. Uma plataforma que já fez tanto dinheiro deixando que as pessoas acedessem ao que gostam de ver sem ser manobrado, está nisto.

Ainda assim cá vou andando, alguns dias a pensar apagar, outros (mtos mais) a mandar o algoritmo à fava e a publicar o que me dá na real gana, quando posso e me apetece. Quem gosta do que aqui se publica há de aparecer sempre e ajudar a divulgar. Um dia ainda seremos para aí uns 1500.

Ontem li o post da Susana ( @ser_super_mae_e_uma_treta ) e pensei que tudo o que ela disse me ocorre tanta vez, menos a coisa do barco, que isto aqui passa mais comboios.

Vinte e um

28.11.22

Um homem que muda fraldas é um veterano de guerra. Um bravo combatente da batalha pais-fraldas que dura há mais anos que o conflito Israelo-palestiniano.
Uma mulher que muda fraldas é só uma gaja a fazer o que lhe compete.

No domingo fomos ao IKEA. A meio do passeio a bebé começou a ficar irrequieta e o pai tirou-a do carrinho. Minutos depois borrou-se e o pai, que troca mais fraldas do que eu, pôs-se a caminho do fraldário. Bebé num braço, mochila no outro.
Pelo caminho um tapete de encanto. Com exclamações de ternura a cada passo. Ele de peito crescente convencido que a filha é a mais linda de todos. Voltou para perto de nós e a bebé borrou nova fralda. Ele lá foi, bebé de um lado, mochila do outro. Outro périplo de pasmo cheio de purporinas. No fim da volta a bebé tinha fome e fralda para mudar. Fui eu. Ninguém manifestou qualquer embevecimento. Afinal de contas sou só um mãe a fazer o seu papel.

O que mais me irrita nisto é que esta surpresa de óós e que-lindos vem de outras mulheres e não de outros homens. Esses, das duas, uma: ou veem um gajo a fazer o que também fazem, logo não há novidade; ou acham que estão a olhar para um palerma que não soube entregar a criatura à profissional competente.

Isto arrelia-me porque nós, mulheres, continuamos a compactuar demasiado com esta ideia de que os filhos e a cozinha nos estão carimbados no corpo e que eles, quando fazem a parte deles, são umas relíquias. Podem ser, mas não é por isso. E o mal disto é que, inadvertidamente, passamos a ideia aos nossos filhos de que está certo assim. Não está. Tenho uma filha e um filho e quero que ambos saibam que os seus papéis são iguais e não ditados pelo seu género. Já não estamos na caverna, eles não saem par caçar gnus.

Sempre que falo disto lembro-me de um episódio antigo. Tinhamos começado a viver juntos e a minha sogra mandara lá para casa uma iguaria qualquer. Quando devolvemos a caixa a senhora achou que estava gordurosa, então chamou-me para me dar o alerta, ao qual respondi: se não está bom fale com o seu filho, é ele que lava a loiça lá em casa. A senhora, no meio do seu espanto horrorizado, nunca disse nada ao menino dela.

Vinte

27.11.22

Conta-me mais daquelas tuas histórias engraçadas, mãe.
É o que ele mais me pede depois de pão com manteiga e iogurtes.
Não são as peripécias que merecem ser contadas, a minha vida é por demais costumeira e aquilo que tem valor de menção pouco de alegria tenho para lhe apontar. É a forma como lhe relato aquilo que aconteceu, como meto pelo meio uns pozinhos de palermice, que o encanta.

Digo-lhe: se olharmos com atenção, há poucas coisas mais divertidas do que a vida. Basta que olhemos com os olhos certos e que nos demos ao trabalho de encontrar a ponta solta que nos faz rir.

O sentido de humor é crucial à sanidade mental, à capacidade de encaixarmos o mal estar que a vida proporciona, à inevitável realidade de que tudo o que é bom acaba e tantas vezes mesmo na altura em que nos estávamos a divertir mais.

Conto-lhe a história do francês que ensandeceu no avião, da mulher que escrevia abacate com agá, do dia em que entrei no gabinete médico e estava um velhote de cu ao léu à espera da uma injeção.

Ele ri e pede mais.

Conto-lhe de quando vinha à praia com a avó Zé que está no céu, de como ficávamos sempre na praia da bola de Nívea, de como íamos de autocarro e das guloseimas que ela comprava à senhora que se arrastava pela praia com um saco de plástico gigante com batatas fritas e pacotes de línguas da sogra.

Falo-lhe de quando era pequena, porque é uma desculpa para lá voltar, ao tempo em que ser uma sereia ainda era possivel; porque é assim que lhe vou dizendo: aquela senhora ali, a do bolo fofinho, era a avó, consegues vê-la um bocadinho?

Dezanove

26.11.22

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Bob vs peúgas encardidas. É a melhor legenda que consigo arranjar para esta foto.

A experiência diz-me que tratar os cães como bebés faz com que eles acreditem que são, de facto, bebés. A experiência, os sete livros de treino que comprei (e li) e o curso de treino básico que fiz. Ainda assim, apesar de toda a teoria, insisto em infantilizar os cães, o que faz com que depois, quando tenho mesmo um bebé em casa, eles se comportem como quem pensa: espera lá, que é isso que trazes aí? O bebé sou eu. Mas atão!

O Bob anda pela casa atrás de mim, senta-se nos sítios mais estapafúrdios, faz-me ir contra ele como quem esbarra numa rocha que nasceu, inesperadamente, no centro da casa, cheira a fralda da bebé e olha-me nos olhos, desalentado, num lamento que parece dizer: em que canil é que arranjaste esta? Já viste que se borra toda em casa, não é aqui como o menino que se guarda para um bom arbusto?

Cá em casa parece que toda a gente tem défice de atenção. É o que diz o Nuno quando me vê a andar de um lado para o outro com a Inês ao colo, o Ricardo atrás a falar de pokemons e o Bob a seguir-nos quase esperançoso que eu me deslargue da bebé para andar a embalar-lhe o lombo de um lado para o outro repetindo um: quem é o menino da dona, quem é? Enquanto lhe vou dando a chuchar umas rodelas de chourição.

Dezoito

25.11.22

Não sei que estratagemas as outras pessoas usam para lidar com a aspereza da vida, para continuarem a andar apesar do que lhes acontece e daquilo a que assistem no mundo. A pobreza, a fome, os miúdos sem família, os sem abrigo aos cantos da capital, os velhos sozinhos em camas de hospital, as maleitas várias, as crianças doentes, os que ficam sem casa, os que este natal vão dizer aos filhos que só têm amor para dar, as guerras, a maldade pura.

Eu gozo com o que me mete medo, gozo para o amiudar, porque sou fraca e choro quando vejo aquilo que jamais devia acontecer mandasse eu no universo, no cosmos e no que mais para aí há. Apresentasse eu um daqueles programas da tarde e já estava atafulhada de medicação para a tola.

Quando não estou a fazer pouco, estou a negociar. Negoceio muito com o nada. Ofereço a minha privação disto e daquilo em troca de que nada falte aos miúdos, em troca de que a vida vá continuando pelo menos como está. Digo: se eu ficar aqui 5 horas sem telefone, televisão, livros ou qualquer outra coisa que me dê prazer, a olhar para o nada, piscando o mínimo possível, a miúda não tem febre. OK? Ninguém responde e eu: Ok, então. Porque toda a gente sabe que quem cala consente. Depois a miúda não faz febre e eu assumo que funcionou, o negócio correu bem. É para repetir.

Faz-me falta um carro novo, uma casa com jardim. Mas depois vem o medo de que com isso chegue um dissabor para puxar o tapete e eu digo para o nada: quero a casa e o carro, mas o resto tem de ficar como está, com os miúdos suficientemente bem para darem cabo de mim exclusivamente pela via de serem chatos.

Sinto que me falta sempre qualquer coisa e essa sensação de insatisfação descansa-me em vez de me arreliar, porque tenho medo que venha o dia em que está tudo perfeito. A sorte não parece gostar de coisas perfeitas, quando as vê puxa o pano e deixa-nos de coração ao léu.

Não sei como é que as outras pessoas fazem para lidar com as agruras da vida, mas eu vou dizendo para o nada: olha que esta merda podia estar melhor. Tenho a ideia que os clientes eternamente insatisfeitos levam sempre o melhor prato, que mais não seja porque quem os atende já está farto de os aturar.

Dezassete

24.11.22

Detesto incomodar. Detesto sentir que estou a ocupar espaço na vida de outra pessoa, como uma pedra que está a forçar a sua entrada no sapato. Detesto impor as minhas necessidades, perguntando se podem fazer isto ou aquilo por mim, deixando as pessoas numa posição chata de ter de dizer que não.

Habituei-me desde miúda a fazer as coisas por minha conta, se conseguisse conseguia, se não conseguisse é porque não era para ser. São más experiências passadas, somadas ao orgulho e ao receio de me colocar numa situação desconfortável. É um bolo em camadas de incómodo. A falta de jeito para pedir, o saber que estou a ocupar espaço e o mau estar que me causa quando do outro lado me deixam bem claro o peso do meu pedido.

Por isso quando terminei o meu manuscrito em junho só pedi cá em casa para ler. E pedi porque é quem mais me incentiva e porque nunca se sabe se sou a próxima J. K. Rowling e, por obrigações de matrimónio, tenho de dividir as mais-valias. Então não se pode queixar de ler meia dúzia de páginas.

Tive pessoas muito simpáticas que me desejaram sorte, que me disseram que se precisasse tinham quem lesse, que me deram contactos. Agradeci e disse: deixa lá estar, eu vou marrar com isto sozinha.

Acabei a levar na cabeça em casa, porque não pode ser assim, porque tenho de aproveitar quando alguém tenta ajudar. Eu nada.

Passaram-se quase seis meses, matutei muito e decidi chatear duas ou três pessoas, pedir uma opinião a quem percebe alguma coisa disto das palavras e das histórias. Ter opiniões sinceras e duras sobre o que está feito. Fiz umas mensagens sem jeito. Custou-me bater à porta como os funcionários da tv cabo e dizer: vim importunar, posso?

Tive sorte, ou a maturidade tem-me ensinado a ler melhor quem me rodeia e vou dando comigo a encontrar gente de uma generosidade que não sei se mereço.

Ideias concretas sobre vagas, de Ricardo Araújo Pereira

23.11.22

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Parece-me indiscutível que o Ricardo Araújo Pereira é uma das mais brilhantes mentes do nosso país. Não só porque tem a capacidade de nos fazer rir a bandeiras despregadas, mas porque tem a habilidade de nos fazer pensar no que nos rodeia enquanto nos faz rir.
Este "Ideias concretas sobre vagas", uma compilação dos melhores textos escritos sobre a malfadada pandemia, permitiu-me revisitar o ridículo de tantos momentos absurdos, uns vividos com consciência da incongruência das decisões e outros completamente absorvida e incapaz de ver para além do receio do que poderia estar para vir.
São duas horas bem passadas em que passamos pelo "xii, pois foi", o "também achei isto", acabando no "vai ficar tudo bem, o caraças".

Dezasseis

23.11.22

Sente que precisa de umas ventas retocadas? Então Lisboa é o sítio para si. Venha provar os nossos doces típicos, conhecer a nossa história, andar distraído pelas ruas e levar com uma trotineta nas trombas.
Esta devia ser a publicidade para visitar a capital.
De acordo com os números registados, só em 2022, já houve quase 500 incidentes que envolveram trotinetas. Os níveis de gravidade variam, mas em vários casos o embate é de tal ordem que obriga a cirurgia maxilo-facial. Eu, que sou má-língua, arriscaria que na parte mais aguçada do mau trato está o pobre que anda a pé, descontraído na sua caminhada e não o imbecil da trotineta, que vai a 20 ou 30 km/h em cima do passeio, fazendo razias a quem está sossegado, incluindo crianças que, se levaram com uma merda daquelas em cima, nem quero imaginar a desgraça. A grande maioria dos utilizadores, segundo me apercebo, são turistas, que veem neste pais de brandos costumes gentes que aceitam tudo para os receber. Riem-se num divertimento de quem sabe que pode fazer o que lhe apetece porque ninguém lhes vai dizer nada. Quando temos sorte lá ouvimos um sorry, como o casal inglês que encontrei da última vez que fui passear a Belém, divertidíssimos, a usar o acesso de rampa para subir ao miradouro de trotinete.

Este é um dos sítios que já evito para passear, gosto de andar em liberdade e de poder deixar o miúdo correr à vontade em vez de o refrear com medo que seja colhido por um grunho que depois diz sorry quando me partir o miúdo todo.
Para já a câmara anda em conversações sobre regras de estacionamento. Algo tão básico que deveria ter sido acautelado antes de ser aceite que a cidade estivesse empestada. As empresas, interessadas em meter ao bolso a maior quantidade de dinheiro possível, assobiam para o lado e dizem que a câmara é que tem de assegurar isto e aquilo.
No meio da jigajoga é o tuga que fica, mais uma vez, posto de parte das suas cidades, já mal pode lá morar, qualquer dia só lá vai passear uma vez ao ano, de armadura e mil atenções, não vá sair de lá com o papelinho da baixa e sete ossos partidos. 

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