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Exercício de escrita

Adeus 2022, gostei de ti

31.12.22

Aprendi há muitos anos que o maior feito que conseguimos alcançar no fim de um ano é chegar vivo e sem mazelas de maior ao último dia. Contamos assim com mais trezentos e tal dias de momentos bons, outros maus, horas a lavar loiça, a estender roupa, a aspirar o chão, a ir às compras, a preparar as mochilas dos miúdos para a escola, a passear os cães, a fazer refeições, a descabelar-nos por temas menores, a controlar a vontade de dar com uma toalha encharcada nas ventas de centenas de pessoas e a desejar que um raio atinja a mona dos velhos que molestam as mangas no supermercado. Vejo pouca gente a dar valor a estas pequenas coisas que, na verdade, somadas, descrevem muito os dias da maioria de nós.
Sobrevivemos a mais um ano de logística com apontamentos de alegria e quando a vida não nos puxa o tapete isso é o melhor que podemos levar.
Choramos com as contracurvas dos outros, temos medo que nos aconteça o mesmo e vamos buscar forças onde parece não haver mais nada para continuar a andar para a frente.
Chegamos ao fim de mais uma pilha de listas com metade das tarefas feitas e a certeza de que é nos próximos trezentos e tal dias que a coisa se vai dar. No fim, enquanto enfardamos as passas empurradas por espumante barato, fica o desejo de que, se tudo correr bem, venha um ano igual ao que passou. Sem nos perdermos a nós e àqueles que amamos. O resto são bónus.

Este 2022 não me puxou o tapete e ainda me trouxe o melhor dos presentes, fez de mim mãe pela segunda vez e a minha vida ficou mais completa. Preencheu o que afinal faltava na minha casa, na minha família, neste coração de pedra que trago ao peito. Sinto que 2022 foi inchar, desinchar, trocar fraldas, dar de mamar e controlar a máquina que está dentro do peito para que não rebentasse de alegria.
Adeus 2022. Gostei de ti.

5 mil beijinhos

30.12.22

Tinha prometido a mim mesma que não voltaria a escrever até ao início de 2023. Uma espécie de férias para as falangetas. Mas a vida tem apontamentos próprios e eu tenho de anotar para não esquecer.

Hoje tive um derretimento nervoso. Tive de atualizar a password do computador e aquilo é uma sopa juliana de letras maiúsculas e minúsculas, números, cardinais, barras, pontos e o diabo a quatro que eu, a dada altura, tropecei para ali com os dedos e já não sabia que raio tinha escrito. Vociferei para o computador, para as paredes, desejei disenterias inimagináveis a todas as pessoas que trabalham em informática e tive saudades do tempo em que a gente não tinha palavras-chave, metíamos impressos e esperávamos o melhor.

O meu filho, rapaz de energia de calibre máximo e palhacito de serviço, enquanto a mãe queimava neurónios e se descabelava, preparou este vale com o valor de 5 mil beijinhos, vale esse que eu podia descontar na banca dos filhos que, por enquanto, ainda estão sempre prontos para dar beijos e abraços à mãe e lembrá-la que a vida tem coisas boas e não vale a pena perder os berlindes por causa destas coisas.

No meio do tanto que tropeço, alguma coisa devo estar a fazer bem.

Quarenta

18.12.22

Como as passas com gosto, acima de tudo porque os meus problemas gástricos me impedem de as comer em quantidade e assim tenho uma desculpa válida para malhar 12 de empreitada. Peço as coisas costumeiras, aquelas que imagino que toda a gente pede. Saúde e sorte para os miúdos. Saúde e sorte para mim e para o Nuno. Saúde e sorte para todos os demais que gostamos. Sempre nesta ordem, não vá o universo ter recursos limitados e assim saber quem deve atender primeiro. Aproveito para desejar uma casa com jardim, um carro mais recente e dinheiro para passear. Estes três últimos sempre com a ressalva de que só fazem falta se o resto for atendido.
Imagino o pobre que está altures a registar os desejos, arrepiado porque lhe saí eu, cheia de condições ao que tenho a pedir.
A verdade é que, apesar de querer sempre mais um pouco, sou contente com o que tenho e pelo-me de medo que esse tanto que tenho me falte.

Concluídos estes pedidos volto ao início e peço outra vez as mesmas coisas. Nunca se sabe quando é que 3 passas não fazem mais força do que uma. Deve ser por isso, constato agora, que ainda não tenho aquela vivenda com piscina, só lhe ando a aplicar uma passa por ano.

Para este 2023 não vai ser diferente. Espero que a vida não se meta a andar como o caranguejo - às arrecuas - e se houver ainda uma pitada de sorte, que a minha história se transforme num livro e este espaço continue a crescer, porque é muito mais giro escrever quando temos muita gente para ler.

Este é o ultimo dos 40 posts que me comprometi a escrever. Foram 40 dias que me divertiram muito. Chegaram mais pessoas e recebi mensagens lindas.

Agora vou fazer uma pausa, vou trabalhar numa coisa que tenho pensada para vocês para o início de janeiro, vou acabar de escrever a newsletter que receberão dia 25, vou matutar sobre o que fazer com este espaço nos próximos 365 dias e vou aproveitar cada migalha que me resta de tempo inteiro com a minha sócia. Depois chega a vez do pai. Vou aproveitar para comer coisas a mais com a desculpa do natal e vou dando ares da minha graça, em calhando, numa story ou outra.

Feliz natal e boas entradas.

Trinta e nove

17.12.22

Cresci numa casa pequena de janelas grandes. Ou pelo menos é assim que me lembro. Essa é a casa onde ainda vive o meu pai. Já não é bem a minha casa de infância. Hoje é uma casa velha, numa praceta de prédios velhos, cheia de gente velha que se recorda do tempo em que a praceta, mesmo com tempo invernoso, parecia ter cores de primavera, porque as casas tinham vida em vez de espera. Espera pelo último dia. Espera para que cada dia passe. Espera que os filhos - para quem os tem - apareçam para visitar. Quem sabe com os netos, alguns já sem eles, porque se fizeram adultos e têm as suas vidas, querem saborear a juventude e aparecem em bolide próprio para dar um olá aos avós.

Cresci numa casa pequena com uma varanda que os meus pais transformaram em marquise e que a minha mãe transformou num misto de jardim na cidade e sala de trabalho. Tinha lá plantas de todos os tipos, até uma tropical, que lhe trouxeram do Brasil e que se dava melhor ali do que a da vizinha que tinha quintal.

Na casa onde cresci havia sempre sol, janelas abertas e pouco silêncio, porque quando não havia o bulício dos 6 que lá moravam, entrava o som da praceta, o barulho dos carros que passavam apressados na rua principal. Qualquer dia dá-se para aí uma desgraça, dizia a minha mãe, que os ouvia travar e deixar o cheiro de borracha no ar.
Nos prédios da frente havia quem morasse nas caves. O prédio já estava de costas para o sol e os pobres, ainda por cima, só tinham um par de retângulos minúsculos para deixar entrar luz.

Quando saí dessa casa fui viver para a Portela, muito chique e tal, com casas caras, um balúrdio de aluguer por mês, mas era um primeiro andar que, apesar de bem localizado, pouco sol recebia. Deixava-me acabrunhada. Ao fim de um ano regressei à margem certa à procura de uma casa que, para além de ser minha, tivesse sol a entrar.

Cheguei a esta minha casa, que, apesar de ficar no alto e não ter elevador, me deixa entrar luz em casa todo o dia. Mais de um lado que do outro. Dá-me um jardim onde os putos vão andar de bicicleta e para onde vamos passear os cães. Há árvores, bancos de jardim e pintassilgos que uns dias adoro e outros quero aniquilar à fisgada.

Trinta e oito

16.12.22

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O último dia de aulas do 1° período era vivido com um misto de emoções. Uma pequena parte de mim queria a pausa, estar 2 semanas sem cópias, ditados, verbos, contas e rios. Mas a maior parte de mim tinha pena. Depois de despachados os TPC, pouco havia para fazer. Tinha de arranjar entretens para dias cujo tempo demorava uma eternidade a passar. Os meus colegas - se não todos, uma boa parte - tinham primos que vinham da terra ou iam eles para a terra passar a quadra na casa dos avós. Eu tinha pena de não ter terra. Terra, daquela que se diz "vou à terra". Nasci em Almada, fui criada em Corroios, vivia na minha terra. Os meus pais, apesar de terem origens uma no norte e outro no sul, tinham fracas ligações às suas raízes.

As minhas primas tinham os avós que vinham do norte e as tias e primos que vinham do sul. Eu tinha-as a elas no andar de cima. Quer dizer, não as tinha bem a elas, porque elas recebiam as primas que vinham de longe e era com elas que queriam estar.

O tempo entre o último dia de aulas e o dia de natal era muito sozinho. Depois chegavam brinquedos que, fazendo par com a imaginação, ocupavam o espaço de gente de verdade. De resto era eu e a minha mãe, às vezes. Eu e as minhas ideias, sempre.

Depois meteu-se a adolescência, conheci quem, como eu, não tinha "terra" e como já saía por minha conta para ir onde me apetecesse todas as férias vinham a calhar.

Hoje é o último dia de aulas do meu filho. Anda eufórico (ainda que vá ter saudades dos amigos). Vai ter tempo para ler mais, ver televisão, jogar, passear e ir aqui e ali com o avô que está sempre pronto para arrancar para onde o neto quiser ir. É uma relação linda que têm. Um dia falo sobre isso. Linda, mas importa referir que juntos são piores que a máfia que trafica bolas de berlim, chupas e revistas com brinde.

Eu fiz-lhe umas bolachas originais de manteiga de amendoim. São originais, porque a receita diz que se chamam assim. Fiz um bolo de laranja também, para garantir que se abarcam os gostos da criançada.

E é isto. As férias dele começam, os meus neurónios estão a fazer as malas, dizem que querem ir para um sítio quente e voltar no início de janeiro.

Um cão no meio do caminho, de Isabela Figueiredo

15.12.22

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Quando vi a autora partilhar uma fotografia deste livro mandei, à pressa e em caps lock, um whatsapp ao Nuno que dizia: TRAZ-ME ESTE! Ele estava por Lisboa nesse dia e podia passar na livraria para trazer.
Só sai diz x, já sei que é para comprar, respondeu-me. Esperei, de contravontade, pela chegada do livro, já que, se eu mandasse, a @isabelafigueiredo_____ não tinha descanso e publicava de 6 em 6 meses 😊.

Este "Um cão no meio do caminho" é,  tal como esperava, uma delícia de livro. A escrita é fantástica, sendo que o que mais me encanta é esta capacidade que a Isabela tem de relatar as vidas miúdas com a grandeza que merecem. Contar as histórias daqueles que passam como sombras. Todos temos uma história, e como o próprio livro refere "precisamos de alguém com quem falar. Não interessa de quê."

Como sabem, não sou dada a resumos, para isso têm a sinopse que está disponível em todos os sites de livrarias.
Posso dizer que adorei o José Viriato, a vizinha, a avó, deu-me vontade de mandar bardamerda a Florinda (tal não foi o que me recordou de gente que conheci) e até simpatizei com a Cátia, que, dado o seu triste nome, foi de encontro ao que esperava dela.

Trinta e sete

15.12.22

Este fim de semana, enquanto me encaminhava para a cozinha para arranjar 3 papo secos mistos, recordei-me dos pequenos almoços faustosos das novelas brasileiras.

Cresci com as novelas brasileiras. A Tieta, a Rainha da sucata, a Tropicaliente, a Felicidade, a Vamp, a Malhação, O rei do gado e por aí em diante. Assistiamos ao fim de cada uma com a saudade de quem se despede de um parente que vai emigrar sem data para voltar. Esperavamos meses para saber como acabava e agora, que tínhamos o fim à frente, lamentavamos não voltar a ver as personagens que, aos poucos, se transformavam em pessoas que faziam parte do nosso dia a dia.

Em comum, para além de um enredo que se arrastava com romances e desgraças que pregaram famílias ao ecrã e punham vizinhas a comentar a sacanagem deste e daquele personagem, todas tinham um pequeno almoço de fazer os olhos saltar da cara. A pessoa estava a jantar umas salsichas mal amanhadas com um ovo estrelado e umas batatas Pala Pala e ao olhar para aquele manjar via o que tinha no prato minguar ainda mais. Pão de ló, pão de queijo, pão fresco, bolo de laranja, sumo acabado de espremer e papaia. Sempre meia papaia no prato. Nunca tinha visto uma papaia ao vivo e sonhava com o dia em que comeria tal fruto para aconchegar o estômago. Ninguém aparecia à mesa desarrumado, a menos que um dos filhos fosse drogado. Nesse caso, para dar realismo, lá vinha o jovem mal amanhado para a mesa, pq era um imprestável que não tinha capacidades para gerir os negócios da família e passava o dia com roupa de cama.

A minha cozinha não fica no piso de baixo, nem numa espécie de traseiras da casa - sítio destinado à criadagem -, está a escassos metros do meu quarto, deixando apenas espaço para que me veja despenteada, a envergar um pijama velho do meu marido, esquecida de que já está frio para dormir sem peúgas.

Quando chego à sala com os pães mistos fico com a impressão de que a mesa já está cheia de migalhas - é uma das muitas sensações que o meu filho me causa -, sento-me e a meu lado ouço um trovejar, e à bebé, sentada no carrinho a despejar o lixo para a fralda.
Não se via nada disto nas novelas brasileiras daquele tempo, e era uma pena.

Trinta e seis

14.12.22

Não sei e nunca soube estar quieta. Posso parecer sossegada, mas a minha cabeça está sempre a mil. É um autêntico carrossel.
Gosto de me rir, aquelas fracções de segundo fazem-me pôr num saco todos os males do mundo, os desaguisados que tenho com a vida, as expectativas e planos que foram pelo esgoto.

Quando a minha mãe morreu fiquei uma semana em casa, o meu pai queria que eu tivesse tempo para o luto. Como se uma pessoa sarasse uma ferida daquelas em tempo definido. Eu, se me têm deixado, voltava à escola no dia a seguir ao funeral. Que raio fazia eu em casa, meio dormente a fazer tempo para voltar às obrigações costumeiras. Ainda se esse interregno a trouxesse de volta. Jamais traria.

No dia em que regressei à escola as minhas colegas, as que sabiam, surpreenderam-se com a minha disposição. Nem parece que perdeste a tua mãe, diziam-me. Eu explicava: a minha mãe, que tanto gostava de mim, não me queria entregue ao desânimo. Queria boas notas e vontade para me fazer a mulher de canudo que ela tanto queria que eu fosse. Devemos isso aos que nos amaram e partiram, sermos felizes ou pelo menos trabalhar para isso. Não desperdiçar a nossa vida.

Nas férias do verão estava sempre a inventar qualquer coisa que abafasse o tédio. Uma vez meti na cabeça que havia de ir de Corroios à Costa a pé. As minhas amigas chamaram-me de chanfrada e eu, casmurra, meti-me a caminho. Inteligente como sou lá fui, com umas Jimmy Doll de plataforma calçadas. Aguentei-me até à Sobreda.

Nos dias em que tinha umas moedas comprava a Maria. Íamos todas para o recanto entre o café da Zézinha e o cabeleireiro - cujo nome não valia a pena fixar porque estava sempre a mudar de dono - e eu lia o conto erótico e as perguntas íntimas para elas. Partiam-se à gargalhada e eu divertia-me mais com o riso delas do que com as palermices da revista. Jamais esquecerei a moça que escreveu preocupada porque tinha os pêlos púbicos como o cabelo da Cruella de Vil, metade branco, metade preto. Até hoje, quando vejo uma revista Maria, pergunto-me: será que a pobre conseguiu fazer as pazes com os seus males de passarinha?

Trinta e cinco

13.12.22

O ano passado escrevi um post que chegou a um número anormalmente elevado de pessoas. No espaço de um dia a conta duplicou o número de seguidores. Umas 800 pessoas em menos de 24 horas. Dessas, cento e tal não sabiam bem ao que vinham, foram à vida delas, e eu estagnei ali nas pouco mais de 1300.

Quando pensei em fazer esta espécie de auto desafio, pondo-me a publicar posts com muito texto diariamente durante 40 dias, pensei: é desta que se vai embora mais uma batelada de gente, que ninguém está para aturar isto. Avancei na mesma pq sou casmurra; pq era da maneira que, se corresse mal, ainda fechava isto de uma vez por todas; pq, mesmo correndo mal, podia ser que o exercício diário de escrita desse lugar a um hábito. A determinada altura a @miss.caco ligou os neons de uma seta que ela para lá tem e apontou-a na minha direção. Vieram mais uma centena e pouco de pessoas.

Falar do número de seguidores parece patético. Porque é. Mas - pelo menos para mim - é como se estivesse num palco e pudesse ver o anfiteatro a encher. A primeira fila mantém a importância, mas ver as cadeiras a ficar ocupadas dá um empurrão para querer continuar.

Nas últimas semanas, e ao contrário das minhas expectativas, tenho visto mais pessoas a chegar, tenho recebido mensagens maravilhosas para as quais não tenho palavras para agradecer. Eu não sei lidar com os elogios, sinto que aquilo não pode ser bem para mim, eu sou só uma trapalhona que tropegamente mete umas letras a seguir às outras e reza para que alguém queira ler.

Digo muitas vezes aos meus filhos esta lengalenga que inventei: as letras fazem as palavras, que fazem as frases, que nos contam as histórias que gostamos de ouvir.
É isto que procuro fazer. Como um bebé que tenta ir pelo próprio pé da mesa de centro ao sofá.

Escrevo por razões egoístas, pq me acalma a ansiedade, para dar forma a tudo o que a minha cabeça - incapaz de serenar - tenta produzir, para fazer sentido da vida, do que foi, do que é e do que está para vir.
Por isso hoje o texto é para vocês. Por estarem desse lado, por fazerem isto comigo, por lerem, comentarem, partilharem e pelas mensagens sempre simpáticas que têm para me enviar.
Muito Obrigada.

 

 

(Nota: como referido anteriormente, estes textos são originalmente escritos para publicação no Instagram)

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