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Exercício de escrita

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23.01.23

As tarefas são como um bicho demoníaco que me persegue sem se cansar. Há sempre alguma coisa para fazer ou pior, alguma coisa por fazer. Por mais que me esforce o monte não diminui de maneira nenhuma. E eu só quero uma tarde sentada no sofá, com o comando na mão, a ver Netflix até a ligação precisar de Halibut.

Este domingo dei comigo entre o choro de tristeza e o grito de raiva. Por mais que me organize e tente que pouco fique relegado para o fim-de-semana, há sempre pendurezas, ou há contratempos que me obrigam a empurrar as tarefas para um dos dias que devia ser de descanso. É o jantar que se atrasa, é o aspirador que avaria (e numa casa com cães é um desastre), é o miúdo que tem atividades, é a pequena que quer todo o colo possível e ocupa sempre um par de braços, é a mudança alimentar, que, com tudo o que de maravilhoso tem, implica trocar a roupa borrada de sopa. A dela e às vezes a minha. É o chão que parece estar sempre sujo, especialmente com esta humidade terrível. É a roupa que se amontoa na cesta e em consequência disso tenho dias de fazer máquinas de roupa em catadupa, quase como se estivesse a explorar o eletrodoméstico. É o pequeno que tem de fazer os trabalhos e alguém o tem de acompanhar, e mesmo que adiante sozinho alguém tem de ver. São as refeições que não se cozinham sozinhas e a enervante questão: o que é que fazemos hoje para o almoço/jantar? Às vezes só me apetece responder: palha, hoje comemos palha! Chego ao final do dia e sinto que fui três. E não, não estou sozinha, porque aqui em casa não há um que faz e um que ajuda. As tarefas e responsabilidades são de ambos. Mas há dias em que só me apetece gritar. Como este domingo em que, depois de dar banho a três cães, depois de ter meia casa arrumada e três máquinas de roupa feitas, dei comigo a perceber que, apesar do sol lá fora, tinha de ficar nas quatro paredes para pôr a vida doméstica em dia. É por isto que quando aparece alguém para me dizer que o dinheiro não traz felicidade, a única vontade que tenho é de mandar a pessoa levar no cu, mas em pobre, porque já sabemos que o dinheiro não muda nada.

É segunda. Levantei-me à hora certa do despertador, mas já estou atrasada para tudo.

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22.01.23

Imperatriz Inês comeu a primeira sopa. Esta talvez seja a efeméride da semana. É, sem margem para dúvida, a única altura na vida de uma pessoa em que uma papa de cenoura, batata doce e courgette merece comemoração.

Correndo o risco de aporrinhar o senhor que se indignou com a minha falta de vontade de trabalhar da semana passada, informo que mais uma vez, lamentavelmente, esta semana tive de ir ao pica o boi, porque tem de ser já que as contas não se pagam sozinhas. Agora, se calho a ganhar a taluda, ai meus amigos, que meto os costados nas Maldivas por 3 meses, meto.

Arrumei mais coisas no trabalho do que em casa. Mas já prometi à pessoa certa, que sou eu, que a empregada, que sou eu, é esta semana que vem que vai deixar tudo num brinco.

Fiz o que me pareceram ser umas 62536 máquinas de roupa, seguidas de máquinas de secar, seguidas de cestas de roupa para dobrar.

Li o livro "A última Solidão" da Carmen Garcia ( @mae.imperfeita._ ) e adorei. É um livro sobre velhos, sobre cuidar e sobre amor. Um livro que que me comoveu pela forma crua e honesta como é escrito, sem paninhos quentes e sem velhinhos que são crianças com rugas. São velhos retratados como pessoas adultas que são, com histórias boas e más, felizes e tristes, com más decisões, com histórias de abandonos ingratos e outros que se compreendem, porque os velhos, antes de serem velhos, foram alguém que foi muito ou pouco para os outros. Leiam, não se vão arrepender.

Na segunda estendi toalhas e apanhei-as no sábado. Umas vezes não tinha tempo e quando tinha não valia a pena porque estavam molhadas outra vez. Aposto que os vizinhos já achavam que era macumba.

Bebi chá em vez de café, porque a tripa está baralhada e inflamada e o raio que a parta.

Almocei em casa do meu irmão mais velho. Vi o urso que na verdade é um cão. Conversei com a minha sobrinha, que eu digo à boca cheia que é enfermeira, porque nesta sociedade fútil, é uma coisa que me deixa para lá de orgulhosa.

Passei uma noite de merda com dores de estômago.

Chegou domingo e eu constatei mais uma vez que o fim de semana é pequeno demais para mim.

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21.01.23

Os meus cães são família. Que mais não seja porque nos amam incondicionalmente.

Quer dizer, se calhar a Tulipa não nos ama assim tanto, vai-se a ver e quer mais é mandar-nos para o raio que nos parta. Coitada, velha, com a dermatite que a chateia, surda e de capacete, porque ela não entende bem, mas a gente não pode deixar que ela morder as próprias patas até ao osso. Lá está, em princípio somos nós os racionais, devemos saber o que é que andamos a fazer.

Ter animais de estimação não é sempre uma maravilha. Dão trabalho, despesas, escangalham objetos, roubam comida, fazem xixi fora do sítio, cheiram mal, precisam de banho, enchem a casa de pelos e babam-se depois de beber água. Não há chão que se aguente limpo. Mas depois recebem-nos como se fossemos estrelas de cinema, deitam-se ao pé de nós quando estamos doentes e lembram-nos que, enquanto eles estiverem por perto, nunca estaremos sozinhos.

Podia falar das leis e do quão abjeto é ver-nos a andar para trás, mas em vez disso prefiro falar-vos da Fofinha.

A Fofinha foi a minha primeira cadela, há 31 anos.

Gosto de animais, sempre gostei e, como qualquer criança, queria ter um cão. A minha mãe que não, que era muito trabalho. Mas para atender a um pedido da minha avó – na altura já muito debilitada - os meus pais aceitaram ficar com uma cadelinha abandonada, com poucos meses, que estava abrigada debaixo de uns andaimes nas traseiras da casa da minha tia. Foram precisas 2 horas e uma travessa de carne assada para a tirar do buraco em que estava escondida. Levou 3 banhos e fomos para casa. Eu sentada no lugar do meio do banco traseiro do carro, com a Fofinha sentada ao meu colo.

A Fofinha viveu connosco 13 anos e eu precisaria de um livro para contar a história dela. Mas num resumo muito breve posso contar que me arrastou para dentro de uma vala para se meter na tasca a pedir tremoços, que se sentou à porta do quarto dos meus pais, como uma vela de companhia para a minha mãe nos períodos de quimioterapia. Nunca me deixa sozinha, dizia a minha mãe. E era verdade. Foi por causa dela que eu e as minhas amigas começámos a poder ir para o jardim depois de jantar. Toda a gente sabia que a Fofinha tinha o dente afiado e se alguém se aproximasse só saía dali feito num farrapo. A Fofinha tinha uma dança própria para quando chegávamos a casa, recebia-nos a rodopiar, com saltos de alegria extrema, rodava-rodava-rodava e depois subia para o sofá e continuava a festa empoleirada no braço do sofá. A Fofinha ficava horas à janela a ver as vizinhas passar. Deitava-se ao meu lado, enroscada, ou de barriga para cima para receber festas. Foi a Fofinha que abracei quando entrei em casa e soube que a minha mãe tinha morrido e, em muitos momentos da minha vida, ela pareceu-me a minha melhor amiga.

Aos 13 apareceu um tumor. Depois afinal o tumor era maior e tinha alastrado. Depois afinal era inoperável. Depois afinal nada se podia fazer. Nessa altura eu trabalhava para juntar dinheiro para a faculdade e gastei tudo. Tudo o que tinha para pagar as contas. Mas tudo o que eu tinha não chegou, porque nada mais se podia fazer. Num dia, em mais uma consulta, o dono do hospital veterinário disse que queria falar comigo. Ainda me recordo, ao fundo do corredor, gabinete à esquerda. Disse que era assim, que os animais viviam menos do que nós, que às vezes tínhamos de tomar decisões difíceis. E eu tomei uma decisão difícil. Naquele dia levei a Fofinha para casa. Fiquei acordada com ela. A fazer-lhe festas e a desculpar-me pelo que tinha decidido. Porque se há coisa que ela não merecia era sofrer mais.

Fui de carro sozinha com ela, mas não consegui estar até ao fim, o meu desgoverno era de tal ordem que tiveram de me tirar da sala. Foi a minha prima que a acompanhou.

Fiquei dois dias sem sair de casa. Só a chorar. Doeu-me porque a Fofinha era família.

Tive e tenho mais cães. Talvez por defesa, não sei, nunca lhes senti o mesmo apego. Amo-os tal e qual, mas não são a Fofinha, a minha Fofinha, a mesma que, tal como eu, também tinha o seu tanto de enjeitada.

Até que apareceu o Bob e eu soube que, daqui a uns anos, seguindo a vida o seu ciclo, vou ter um dia de muita dor. Até lá, é aguentar o chão babado e as bufas malcheirosas que ele dá quando está sentado aos meus pés.

Os animais são família e merecem ser tratados como tal. Cuidemos deles, com metade do amor que eles nos entregam e já estamos a dar-lhe uma imensidão, porque metade do que eles amam é muito, já que para eles nós somos tudo.

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20.01.23

Vocês conseguem jantar a horas decentes?
É que eu não.

Escrevi esta publicação às onze da noite de ontem, sabendo que só a publicaria hoje. Dei um beijinho ao pequeno antes de ir para a cama e fiquei ali, feita zarolha das falangetas, a escrever com o polegar esquerdo enquanto a sócia fazia a ceia na mama direita. Antes tinha tomado um banho que demorou mais do que os cinco minutos que eu tinha prometido, porque sacana do esquentador e do seu sensor fragilzinho precisaram de quatro insistências para ligar, então achei que merecia mais um bocadinho com o lombo debaixo de água quente.

Mas falava eu de jantar. Em 95% dos dias não me oriento para conseguir que nos sentemos à mesa às horas que me parecem adequadas para uma família com crianças. Ou é o peixe que afinal precisa de mais tempo no forno. Ou há de ser a massa que cozeu demais e é preciso fazer outra. Ou é o jantar que tem um ingrediente que o pequeno não gosta, então tenta-se arranjar uma variação para a criatura. Ora é um ingrediente que afinal não há em casa e é preciso ir buscar e, como é sempre pior quando a pessoa tem pressa, as caixas rápidas estão ocupadas por gente que não está familiarizada com a era digital. Ora é o mafarrico do cão que não se despacha, parece que está preso com uma rolha, e a pessoa, ao frio, com as mãos a perder competências e a rezar para que o gajo dê andança ao esfincter. Ora é o miúdo que tem desporto e vida social à saída do desporto (a qual inclui, invariavelmente, Pokemons). Nos poucos dias em que nos sentamos a horas sinto que ganhei uma medalha olímpica, assim uma de bronze, já que não é um feeeeeiiiiito imenso (ainda que pareça).

Enfim, há sempre uma merda para me lixar os planos que fiz para a semana, que fui refazendo durante a semana e que me lixam esta vontade excêntrica de querer os putos a dormir cedo para me deitar a ler um bocado e adormecer permitindo-me babar para uma página qualquer.

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19.01.23

Eu cá não me aporrinho com coisas de gente abastada e confesso que me faz confusão quem se desgasta com isso. Parece-me que as pessoas se embrenham na vida das celebridades de uma forma excessivamente fervorosa, como se a sua empatia por alguém que nunca conheceram fosse bastante para as ter como família. É gente, muitas vezes com vidas complicadas, que se ofende, de veia do pescoço a saltar, para defender pessoas que têm vidas de nababos. Moram em mansões, em zonas privilegiadas, têm contas recheadas e têm ao seu dispor todo o conforto que o dinheiro pode comprar. A menos que tenham um desvario absoluto e gastem as suas fortunas – o que em alguns casos é quase impossível – jamais se verão na posição de esperar meses por uma cirurgia, de ter de juntar dinheiro anos a fio para fazer uma viagem onde ficam no hotel com melhor qualidade/preço, não terão de pedir empréstimo a 40 anos para comprar casa e garantir dessa forma um teto para os filhos, ou de pedir crédito para comprar um carro mediano pagando em 5 ou mais anos. Se os pais precisarem não terão de escolher entre colocar a vida em espera e um lar assim-assim, porque podem apoiá-los com o maior bem-estar possível. Não vão olhar para a conta, a contar o dinheiro, rezando para que não apareça nenhuma despesa surpresa e possam comprar aos filhos o brinquedo que tanto desejam no natal ou no aniversário. Têm quem lhes limpe a casa e trate da comida. Têm os filhos a estudar nos melhores colégios privados e, quando assim não é, só acontece porque escolhem de outra forma.

A fama e tudo o que de mau ela traz, em muitas profissões, faz parte do ofício, porque sem essa fama provavelmente também não teriam a vida profissional que tanto almejaram. E o mais certo seria não conseguirem viver só com a rentabilidade de redes sociais e publicidade a marcas.

Com isto não estou a dizer que têm de aturar o que quer que seja, incluindo gente imbecil que não sabe respeitar os outros e acha que são sua propriedade porque aparecem no ecrã lá de casa.

São os desaguisados que os comuns mortais têm entre si por causa de celebridades, que me deixam de boca aberta.

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18.01.23

Esclareço o meu filho à razão de sete vezes por semana que, se eu lhe aplicasse uns ajustes educacionais de teor artesanal como aqueles que se admistravam aos petizes no meu tempo, ele acharia muito menos piada ao que eu digo e andava direito e fininho sem levantar cabelo. Mas os tempos evoluíram - ou assim se acredita - e as crianças, que antigamente faziam o que lhes era dito porque lhes era dito e pchiu, senão ainda levavam um abre alhos, andavam nas suas vidas certos e sabidos das linhas com que se cosiam.
As crianças em princípio não tinham sentimentos, a menos que sentissem uns piparotes motivacionais. Não havia fadas, nem duendes, nem dragões dos dentes. Quando caía um dente a única coisa que a gente ganhava era o dente novo quando nascesse. O meu filho, quando sente um dente a abanar, começa a fazer contas ao guito que a "fada" pode trazer.
As crianças não tinham opinião nos assuntos dos adultos e se queriam ser crescidos podiam começar por pôr a mesa e lavar a loiça.
A minha mãe não me explicava que o ferro podia queimar e depois blá-blá-blá. Dizia-me: não mexas nisso que queima. Só. E se depois eu insistisse despachava o assunto com o infalível: se te queimares ainda levas por cima.

Não sou defensora dos métodos antigos, mas há dias (aqueles em que conjugar um verbo é mais difícil do que ensinar um hipopótamo a dar a pata, ou que abro a lancheira e a comida retorna numa espécie de amálgama saída da bufunfa de um mamute) em que sinto que a pedagogia do croque era, se não mais eficaz, pelo menos mais eficiente.

A minha mãe não se preocupava que eu ficasse traumatizada, desde que eu tivesse juízo e não me metesse nas drogas.
Eu trinco as cabeças dos dedos com medo que os meninos fiquem com os sentimentos amolgados. Culpo-me do que faço demais, porque lhes facilito a vida e culpo-me do que faço de menos, porque tadinhos, só se é pequeno uma vez.

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17.01.23

Quando tinha canetas novas queria passar os cadernos todos a limpo só para as usar. Sentia-me importante, como se as canetas fossem uma relíquia que me ia fazer aprender a matéria melhor. Como seria tão mais fácil estudar agora que tinha aquelas cores todas, saídas de canetas novinhas, cheias de vontade de escrevinhar o que eu tinha de copiar do quadro. Uma cor para o título, outra para fazer bolinhas para os tópicos, outra para sublinhar. Gráficos semelhantes a arco iris. Quando tinha canetas novas decidia-me a nunca mais riscar uma palavra errada na pressa de não perder o que os professores estavam a dizer. Com aquelas canetas a mão ia dar à sola, ia escrever sem erros, respeitando os acentos e as vírgulas. Nunca mais me havia de faltar um ponto final. Até os testes iam correr melhor.

Quando tinha canetas novas e os cadernos eram de argolas tirava as últimas páginas e passava-as a limpo com todo o método e rigor que tinha visualizado. Quando em vez de caderno tinha dossier, desfazia-me também das últimas folhas para as repor refeitas, mais delicadas, com as cores no sítio certo, sem remendos.

Tive BICs de todas as cores, mas a minha predileta era uma caneta gorda com mais de dez cores em que cada cor tinha um perfume diferente. Escrever títulos com cheiro a framboesa. Que maravilha.

Quando era miúda era assim, perdia-me com economato. Gostava de comprar canetas, lápis e borrachas. Depois de crescida vejo-me igual, vou comprar o material escolar para o meu filho e sinto que há tantas canetas que eu podia comprar. Só que agora não tenho de pedir à minha mãe. Pego nas embalagens e penso, cheia de certezas, que, se tivesse aquela caneta para escrever, de certeza que o meu caderno de apontamentos não estava todo rabiscado, um autêntico mural de pinturas rupestres. Depois lembro-me que a minha letra é horrível, que não há canetas que a salvem e volto a deixá-la no lugar. Mas há uma, uma caneta que queria encontrar mais do que o cálice sagrado. Havia umas canetas feitas de borracha reciclada, o formato era mole e meio quadrado, o bico era largo. Tive uma, que perdi e nunca mais encontrei uma caneta que escrevesse tão bem a minha letra.

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16.01.23

Sei que fica mal dizer isto, mas na maioria dos dias não tenho vontade de lidar com os grandes males do mundo. Deixo-os numa caixa, lá no canto da minha mente e evito pensar neles, evito as notícias sensacionalistas que passam horas e horas a fio esvaziando o que importa até que a saturação se sobreponha à relevância. Preciso deste afastamento para me manter funcional, com a bola que tenho entre os ombros lúcida. É demasiada informação, esmifrada até ao tutano e eu sinto que não tenho como lidar com tudo. O planeta está em pantanas e eu só estou capaz de lidar com a minha lista de afazeres. Não me apetece, não tenho disposição, vontade, capacidade, disponibilidade cognitiva para lidar com a guerra, a fome, as doenças, a inflação, a má governação, as decisões abjetas e podia continuar até ficar com as falangetas em carne viva.

Tudo é importante e merece a minha atenção, mas não consigo apropriar-me dos temas com o detalhe adequado, por mais que gostasse. Vou sabendo o essencial, tantas vezes pela rama. Há dias, muitos, em que só consigo fazer andar esta roda pequenina, a roda da minha vida. Há dias em que me parece hercúleo chegar ao fim da noite cumprindo o mínimo. Levantando-me da cama, tomando banho, garantindo que as crianças comem, que a casa está habitável, que há roupa lavada e passada, que faço bem o trabalho que me paga as contas e, acabando a lista de tarefas comezinhas, com sorte, ainda ler dez páginas de um livro, ou aterrar na cama num mergulho gracioso estilo prego.

Os assuntos parecem estar em todo o lado, esmiuçados, arrastados, escrutinados por toda a gente, porque toda a gente tem uma opinião.
É tanta notícia, tanta reportagem, tanta crónica, tanto texto livre na Internet. É tanta gente que os temas se gastam e desgastam quem assiste.
Não sei se é boa esta realidade de toda a gente falar do mesmo ao mesmo tempo, explorando os assuntos até à exaustão. Porque já deixa de ser sobre o tema e passa a ser sobre quem fala dele.

Enfim, há dias em que só quero fazer o que tenho mesmo de fazer, chegar ao fim da noite e meter os costados na cama, que amanhã a chibata invisivel está aí outra vez para me amassar o lombo.

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15.01.23

Isto e aquilo desta semana.

📎 Regressei ao trabalho. Custou-me. Ainda me está a custar.
Ao contrário do que receava ainda me lembro de onde estão os tachos e as panelas e comecei a cozinhar mais depressa do que esperava. Mas as empresas não estão preparadas para ausências prolongadas e o retorno é mais difícil porque a chegada está repleta de um mundo de coisas que foram ficando porque faltava um par de braços. Não há recomeço gradual.

📎 Ando a fazer o que posso para manter a ansiedade com trela curta, a dizer para mim mesma que tudo se faz, é preciso é ter calma. Sei que nem sempre é verdade.

📎 Tenho a casa em pantanas e o carro ainda pior. Não fiz metade do que pus na minha agenda pessoal, não bebi litro e meio de água por dia, só fiz exercício uma vez, bebi mais café (e descafeínado) do que devia, comi demasiadas bolachas e perdi-me com os chocolates.
Estive quase a dar tabefes na minha própria cara ao dizer-me: uma coisa de cada vez, tu és só uma e dizes que não quando for preciso.

📎 Fartei-me de arranjar fotografias mal amanhadas para acompanhar os meus textos e decidi passar a pôr sempre uma tela em branco com umas palavras. Ao domingo, se tiver, deixo aqui um punhado de fotos que fui tirando aqui e ali.

📎 Entreguei prendas de natal e comi os chocolates que ofereceram ao meu filho.
Fui à médica do pipi, diz que tenho um útero lindo. Abri a galeria do telemóvel para lhe mostrar umas fotos dos miúdos e só apareciam print screens do The Rock que eu tiro para mangar com o meu marido. A médica deve ter ficado tão confusa que, cá fora, enquanto eu pagava, sugeria ao meu marido um terceiro filho.

📎 Terminei de ler o primeiro livro deste ano. Adorei. Que livro do caraças.

📎 Ontem fomos passear à Costa. Respirámos ar puro com a brisa do mar, fizemos apostas para ver se algum incauto caía do pontão, o puto correu pelas rochas e encheu-se de areia. Comemos farturas e chegámos à eterna conclusão de que poucas coisas relaxam mais do que uma caminhada à beira mar rematada com fritos mergulhados em açúcar e canela.

Escrevi isto e tive pena de ser pobre, porque amanhã já é segunda.

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14.01.23

Enquanto proprietária de um Renault e de um belíssimo Casio gostaria de começar por dizer que não me rala nada o sentido depreciativo atribuído a tais marcas na música da Shakira. Estou habituada à minha condição de remediada.

Sei também até onde é que a minha carteira estica e que só não tenho um Mercedes topo de gama e um Omega porque para isso os putos tinham de ir comer a relva do jardim das traseiras.

Sejamos francos, são as marcas do teso, que consegue ter algum conforto na vida e que, com sorte, no próximo aumento de salário, muda de modelo mas persiste na marca. Ou endivida-se, também há essa hipótese.

Se é bazófia a mais armar-se aos cágados a dizer que é um Ferrari e a outra é um Twingo? É. Até porque um Ferrari consome demais e logo por aí tem a Greta à perna, e porque, em calhando, ele se calhar andava à procura de uma coisa mais económica e de fácil estacionamento, em que ele pudesse pôr os sacos das mercearias quando vai às compras. Se a mesma cagança se aplica ao Rolex? Provavelmente, até porque é relógio para ficar todo escangalhado à primeira vez que alguém acerte com ele na ombreira da porta, ao passo que um bom G-Shock de 100 euros aguenta mocada de três em pipa, sem um risco e sem perder a capacidade de acender a luz para uma pessoa poder ver que horas são de madrugada sem ter de carregar no interruptor da sala.

Lá está, umas coisas valem mais do que outras, por isso é que as influencers andam sempre malucas a esfregar as suas Louis Vuitton nas ventas de toda a gente, quando podiam muito bem andar de Monte Campo que até leva mais merdas.

Dito disto, se ele não faz falta, se ela está resolvida e se constata que ele é um imbecil sem qualquer noção do valor económico das coisas, talvez não merecesse uma música.

O que me encanita com estas tretas é o impacto que tem nas crianças. Ver os pais a lavar roupa suja em praça pública é feio. Já é mau em casa, quando a mãe ameaça arrear com um bife congelado no focinho do pai, mas quando toca nas rádios do mundo todo, é capaz de ser pior. Imagino o puto a chegar ao colégio privado e a ouvir? Lha lá, então o teu pai arranjou um Twingo, pá?