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Pequeno conto
Enquanto sorris, perdida na felicidade das coisas simples, derretida com a dança que as sombras da roseira fazem na parede do teu quarto, eu olho-te sem que te apercebas que estou perto. Nos minutos em que balanças as pernas e ofereces vogais ao teatro que se desenha com a ajuda da brisa que sopra lá fora, consigo imaginar a tua vida. Travo no momento em que reconheço que também tu és finita. Imagino-te a andar, a falar, a contar-me histórias enquanto acabo o jantar, o dia em que te faço tranças. O primeiro dia de escola. A entrada para a faculdade. O primeiro desgosto de amor. O primeiro emprego. A casa que compras. O dia em que tens filhos. Os netos que cuido para te ajudar. O dia em que me dizes adeus, cumprindo ambas a ordem certa da natureza. Eu de barriga cheia de ser mãe. Tu de barriga cheia de ser filha. Choramingas por mim, já não queres conversar com a roseira. Estou aqui, sempre aqui, digo-te.