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Enquanto como esta tacinha de estrelitas, procurando confortar o corpo cansado com sabores da minha infância, do tempo em que era cuidada em vez de cuidar e em que à sexta-feira, depois de terminados os trabalhos de casa, tinha direito a uma tarde de Pequena Sereia, Cocktail e Dirty Dancing, vou tentar a minha sorte a escrever alguma coisa, apesar de ter apenas uma hora de sono em cima do lombo.
Dou comigo muitas vezes a imaginar a vida em 2050, os miúdos criados, com sorte cheios de saúde, fora de casa, empregados e tendo sido capazes de evitar ocupações laborais menos edificantes, como drogados, proxenetas ou funcionários da EMEL. Imagino-me com tempo para mim, envergando as minhas cuecas descartáveis Tena Lady pretas, as quais, por essa altura, custarão 975 € o pacote de 10 com desconto de 20%. Almejo aquele suspiro de quem sente que fez o seu trabalho – no que mais importa – bem feito, e está agora capaz de gastar o que lhe sobra com coisas que não interessam a ninguém.
Esta noite acordei sobressaltada com um barulho no quarto do Ricardo. Espetei com dois biqueiros ao Nuno e disse: vai lá ver o que se passa com o miúdo. Só depois me ocorreu, quando vi o meu marido quase a cair da cama, que, estando ele a dormir e eu acordada, se calhar tinha sido mais sensato ter lá ido eu.
É quando ouço o xiiiiiiiiii de desespero que percebo que estamos perante merda da grossa. O miúdo tinha-se vomitado. Acordou atordoado e maldisposto e, sem se aperceber como, vomitou o jantar todo para dentro da cama.
Troca lençóis, limpa colchão, limpa miúdo, limpa edredão. Voltámos para a cama eram quase 2 da manhã. Suspirei. A Inês dormia descansada. Ufa.
Estava a acabar de me tapar quando ouvi aquele uuuuuuééééé que parece uma pequena lambreta a arrancar no sinal verde. Afinal a Inês também precisava de atenção.
A Inês acordou de hora a hora, o irmão vomitou pelo menos mais uma vez.
Eu e o pai limpamos, trabalhamos, resolvemos, compramos prendas para amigos, levamos a festas de aniversário, garantimos banhos, tratamos da roupa e das refeições e às vezes só nos cruzamos para passar a estafeta das responsabilidades.
E é assim que eu só escrevo quando o rei faz anos.