24 de 365
“Cátia Maria, já te disse para não fazeres mais do que uma publicação por dia.
Vai lavar roupa, esfregar os azulejos, pintar as unhas, ler um livro, aprender crochet, fazer o pino, meter a pança em forma na elíptica, passar toalhas a ferro, fazer a lista das compras, esfregar as juntas dos azulejos, esperar que uma mosca passe para lhe dares com o jornal, fazer a mise em place para o jantar. Ai mulher, vai ver a ex-periência, vai arranjar um macaco para pentear ou dar banho a cão, agora não andes, de forma ou jeito nenhum, a dar cabo da mona das pessoas com quatro mil caracteres por dia. Achas que as pessoas não têm mais nada que fazer? Está calada, filha. Cala-te de boca e de falangetas, que até a tua voz já fica irritante pelas letras. Vai ver se caças uns gambuzinos, vai limpar o pó atrás dos livros. Olha, vai arrumar a gaveta de cima da tua mesa de cabeceira que está uma bela javardice. Vai lavar o chão, vai passar um guardanapo nas beiças do cão. Vai mazé trabalhar. Mastiga mais devagar à hora de almoço, não te engasgues para ainda ires apontar mais meia dúzia de merdas que ninguém quer saber. Bebe o café a olhar para o esquentador, fortalece a vossa relação. Ainda vais ver que se lhe deres carinho o gajo começa a ligar à primeira. Vai estudar a gramática, para não lhe estares sempre a dar pontapés. Vai dar de mamar e ocupa a mão vazia com outra coisa que não seja as teclas do telemóvel. Está sossegada, mulher de um raio. Qualquer dia até falas do cu de um frasco de pickles. És tão chata que até me arrelias a mim, que sou tu.”
Carta de mim para mim, a ver se ganho vergonha na cara. Uma parte de mim acredita ser possível, aquela parte que não vê a idade; a outra, a parte que me lembra que faço quarenta este ano, diz que isto daqui já não vai para melhor.