30 de 365
Gosto das manhãs que se arrastam. De quando o dia vai começando, os miúdos não chamaram por mim e as tarefas ainda não se esfregaram nos meus olhos para me lembrar que tem de ser.
Gosto de ouvir o tempo a passar. O tempo lá fora e o tempo do relógio, com os ponteiros a dançar e eu a fazer-me de desimportada. Acho que desimportada não existe.
Sabe-me bem aconchegar-me na cama sabendo que a hora de levantar já passou, saboreando o pecado da preguiça, aquele pedaço de tempo em que a culpa está atrasada e ainda não me senti fraca porque devia estar a aproveitar o dia antes de o sol nascer, assistindo ao raiar da estrela mestre com a meditação feita, um treino no bucho, o banho tomado, a pele hidratada e a mesa do pequeno-almoço posta.
Parece-me o pináculo do luxo, poder olhar para a cesta da roupa e pensar, com uma certa arrogância, que já a atendo quando tiver disposição.
Gostos das manhãs que se demoram mesmo sabendo que o preço a pagar é passar o resto do dia meio grogue, lenta de pensamento e de movimento.
Se eu mandasse as manhãs começavam todas devagar, com uma tarefa de cada vez, como se o cérebro estivesse a fazer aquecimento para o treino pesado do resto do dia. Lá para a hora do almoço já se podia fazer qualquer coisa de outra envergadura.
Mas eu não mando nada, por isso levantei-me, arrastei o lombo pela casa e preparei os papo secos para o pequeno-almoço com aquilo que me parece um melão no lugar da cabeça.