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Exercício de escrita

56

15.03.23

Às vezes sinto que seria capaz de passar os dias a olhar para os meus filhos. Trago comigo esta saudade de quem sabe que já está a perder para o tempo.

Às vezes, quando passo e eles não dão conta, deixo-me ficar para trás só para os ver existir, no mais puro estado de quem é sem fazer parecer. As expressões no rosto. Os olhos interessados. Os sorrisos que se alimentam apenas daquilo que lhes vai lá pela cabeça. No seu mundo. Um mundo que é só deles e do qual eu farei parte até que me deixem. Minguando no meu papel.
Eles serão sempre as peças principais do meu.

Queria ter uma estante na memória onde pudesse guardar todos os momentos, onde pudesse pôr em pastas os sorrisos desdentados, a alegria na mais pura forma, os primeiros passos, as primeiras gargalhadas, os primeiros argumentos e todos os marcos que, aos poucos, a memória vai reservando de forma esbatida, até que o mais velho pergunta quando lhe nasceu o primeiro dente e eu hesito porque já não tenho bem a certeza, ou quando me pede que lhe conte histórias dele e eu, sabendo que tenho em mim centenas, recordo nitidamente só um punhado.

Depois vou limpar o pó às pastas digitais, e tropeço em fotografias de momentos que já não recordava. A imagem transporta-me para lá e lamento mais uma vez esta incapacidade de trazer tudo o que foi bom à flor da pele.

Agora, sentada na penumbra do meu quarto, com a pequena Inês ao colo numa sesta de sono e mimo, contemplo-lhe o rosto perfeito. Penso na sorte da minha lotaria. Peço à cabeça que guarde comigo esta imagem. Depois decido escrever, para me lembrar das palavras que acompanharam este fim de tarde.