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Exercício de escrita

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17.02.23

A Inês acordou à 1, às 2, às 3, às 4, às 5, às 6 e depois, às 7:20 deu-me uma lambada e disse TÁDÁ, assim como quem está a apresentar uma coisa boa. Eu, baralhada, pensei: quem és tu? quem é que te deixou entrar? Depois voltei a mim e fui acordar o Ricardo-só-mais-5-minutos, aspirar macacos do nariz, limpar fralda, fazer pequeno-almoço e garantir que o Ricardo vestia a roupa certa para o desfile de carnaval da escola. Não me lembro de comer, porque enquanto alguns hidratos de carbono de inseriam na minha goela eu estava a fazer contas a toda a logística que teria de garantir até ao final da manhã. O Nuno foi levar o Ricardo e eu tinha de preparar a Inês para ir para os avós.

Agora importa salientar que os bebés se estão marimbando para as nossas pressas.

Cheguei à casa dos avós e expliquei à minha sogra que tinha mesmo de ir, porque, apesar de estar de férias, ainda tinha de tratar de uma coisa urgente de trabalho. Depois de dizer que compreendia a minha sogra desatou a falar como se eu também estivesse reformada. Eu, totalmente acelerada, pensei: se a cota não se cala vai haver um velhicidio aqui. Já a conseguia ver com uma linha vermelha em baixo a dizer "Alerta CM".

Fui para casa a correr, completei o que precisava e saí a voar para ir ver o desfile. Quando cheguei ofegava como uma criminosa.

Contive o choro quando vi os filhos dos outros e só não chorei quando vi o meu, porque havia tantas crianças que entrei em pânico e temi ser a mãe inapta que não conseguia encontrar o seu descendente. O que vale é que o puto sabe bem o tipo de despistada que o trouxe ao mundo e gritou: mããããããeeee, aqui. Eu era a única pessoa a ir vê-lo este ano e deixar-me-ia de rastos imaginá-lo a olhar à volta sem encontrar a mãe. Fico logo a pensar nos anos de terapia que eu teria de bancar e no lar de merda que ele me iria pagar porque nunca ultrapassaria essa mágoa.
A frenética foi-me contendo a pieguice e por isso não cheguei a chorar quando senti que estava a abandonar uma para garantir o paga-contas, ou quando tive medo de falhar com o outro.

E é por estas e por outras que o meu olho esquerdo não para de saltar e um dia destes ainda vou secar o cabelo com a varinha mágica.

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16.02.23

Caro condutor, se não usas os piscas para assinalares mudanças de direção porque tens medo de gastar as lâmpadas; se páras o carro à balda porque tens mesmo de ir à bica e tens de ficar à porta do café já que andar te dá dores de peida; se ocupas 2 lugares de estacionamento, porque precisas de mais espaço do que uma vaca para passares pela porta do popó; se estacionas em cima do passeio impedindo a passagem de carrinhos e cadeiras de rodas, em cima de passadeiras, no lugar das pessoas portadoras de deficiência, no lugar das famílias com crianças de colo ou no lugar das grávidas; se te armas em fuçangas nas rotundas, entrando à força e tapando a circulação, impedindo que, quem vai para direção oposta, possa passar só mesmo porque, se tu tens fila, os outros também têm de estar na merda, já que não gostas de sofrer sozinho; se vais por uma faixa que não te leva para onde queres ir só para te fazeres de parvo/a e meteres o carro à frente dos outros como se a tua vida fosse mais importante que a dos outros; se achas que os outros são sempre lentos porque respeitam os limites de velocidade e segues ali, estilo cheira-cus, a fazer pressão para que acelerem ou saiam da frente só porque tu estás impaciente para chegar ao raio que te parta; se fazes ultrapassagens bruscas só para te meteres à frente da pessoa e travar porque achas que tens o poder do castigo divinó-rodoviário e queres ver se assustas ou crias um potencial acidente; se andas muito acima do limite de velocidade, especialmente em dias de chuva, armado em Fittipaldi, arriscando a vida dos outros (e não digo a tua, porque para a tua me estou bem cagando); se bloqueias a saída de outros carros e, quando te buzinam, ainda vais devagar arriscando um “é preciso ter calma”, sem saberes se a pessoa está atrasada para o trabalho ou aflita porque lhe ligaram da escola a dizer que o filho está doente; se não sabes as regras de alternância; se te pões a dar gasadas no acelerador quando está alguém a atravessar na passadeira; se és um destes amáveis grunhos, estimo bem que vás, carinhosamente, para o caralho que te foda.

Beijinhos e votos de um dia maravilhoso, para ti e para o pinheiro com o qual devias marrar.

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15.02.23

A Cinderela acordou com o som de uma notificação no telemóvel. Tinha o sono leve e era facilmente arrancada do mundo dos sonhos.

 

Agarrou o telemóvel com uma voracidade injustificada. Esperava que aquele plim lhe trouxesse uma mensagem privada com a foto da gaita do seu amado. Alguma coisa que lhe desse calor numa noite fria. Em vez disso, para seu desgosto, percebeu que tinha sido identificada num giveaway por uma das filhas da madrasta que queria ganhar uma mariconera da Primark.
Não conseguiu voltar a dormir. Deu voltas e voltas na cama. Ainda agarrou no Satisfyer para aconchegar a patareca, mas não resultou porque estava longe do mindfulness necessário.
Olhou para o relógio, nem 7 da manhã, logo naquele sábado em que podia dormir até mais tarde porque as crianças estavam com o pai.

A Cinderela e o Príncipe divorciaram-se pouco depois de o filho mais novo nascer. Ela andava desmilinguida pela casa e ele aproveitou um serão no trabalho para, entre relatórios, comer a Jéssica da Contabilidade em cima da fotocopiadora. A Cinderela descobriu porque o otário fotocopiou as nalgas da Jéssica e, atrapalhado com um barulho súbito no escritório ao lado, guardou os papéis na pasta em vez de os destruir.

Suspirou por não ser capaz de pensar positivo e ultrapassar os pequenos dramas e decidiu levantar-se. Vestiu uns trapos, cheirou o sovaco para garantir que ainda aguentava sem banho, meteu os óculos de sol e saiu.

 

A vizinha andava a passear o pincher que limpava a tripa enquanto a senhora sorria a quem passava. O animal, pequeno e indefeso, parecia mais envergonhado com aquela situação que a dona. A velha sorridente, ele meio obstipado. A Cinderela ainda viu a senhora afastar-se, deixando a obra do companheiro para apreciação de todos.

 

Meteu-se no carro e conduziu lentamente enquanto desejou a morte por raio divino e nascimento de pinheiros anais a 27 condutores. Quando chegou ao hipermercado ouviu o telemóvel apitar outra vez. Esperançosa, correu para ver se o seu amado a convidava para um brunch romântico. Em vez disso era a outra filha da madrasta que, aconselhada pela irmã, também a identificara no mesmo giveaway.

 

Nessa manhã a Cinderela só comprou vinho.

 

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14.02.23

A licença de parentalidade deveria ser, no mínimo,  de 1 ano (12 meses) com direito a uma remuneração condigna de, pelo menos, 80% do vencimento sobre o qual a mãe (ou o pai) descontaram no último ano fiscal.
Devia ser uma opção viável para quem assim o quisesse e não uma obrigação, deixo desde já claro, para todos os que acham que 4, 5 ou 6 meses chegam bem.

É cruel que uma mãe e/ou um pai tenham de entregar o seu bebé aos cuidados de terceiros, mesmo que sejam os avós, em tão tenra idade e por tão longo período de tempo. Que, ainda sem saber falar, sejam arrancados da cama, faça frio ou calor, para serem metidos no ovinho e entregues àqueles que cuidarão deles durante as 8, 9, às vezes 10 horas em que os pais estão ausentes para cumprir o horário de trabalho e a logística associada a todas as deslocações. Que os pais percam as primeiras palavras e os primeiros passos, para trabalhar, ganhando tantas vezes de forma miserável, assegurando que o dinheiro dos seus descontos é entregue para salvar bancos e pagar bónus de gestores que entram heróis e saem de fininho depois de nada terem cumprido.

Fazem-se gráficos sobre o estado da natalidade e a população que envelhece, mas não se pensa nas condições que um pai e uma mãe precisam para cuidar de um filho, para ter tempo para lhe dar o amor e a dedicação que merece, mais ainda em tão tenra idade.

Esta semana a minha bebé começa a ficar com os avós. Tenho sorte, mesmo assim.
É uma sensação que mistura abandono e perda, porque sei que não vou estar para muita coisa, tal como aconteceu com o meu filho mais velho.

Metam mais um ano de trabalho no final das contas, assim como assim a esperança média de vida está mais longa e sabemos lá o que nos espera lá à frente. Entretanto deixem-nos ser pais e gozar este início com os nossos filhos, pelo menos até que saibam dizer mamã.

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13.02.23

4815

Prometeram-nos o inferno se não fossemos, no mínimo, um poço de virtudes e, enquanto isso, abusaram impunemente de, pelo menos, 4815 crianças.
Pedem que lhes contemos os nossos reles pecados para que possamos ter um vislumbre de redenção e um cantinho no céu.
Condenam a interrupção voluntária da gravidez e a eutanásia, porque o princípio e o fim são uma decisão de deus. Mas que deus é este então, que deixa que aqueles que espalham a sua palavra façam tamanhas atrocidades em seu nome.
Infestam a sociedade de medos e de uma moral falaciosa.
Durante séculos têm condenado tudo e todos ao abrigo do seu livro de fantasia. O mínimo que se pede agora é que sejam julgados sob a lei dos homens e, perante as provas, condenados com penas severas. Que se encontrem mecanismos para os controlar e abolir, de uma vez por todas, esta aberração.
E de caminho, guardem as formações, porque um homem adulto, temente ao seu deus, sabedor do seu livro, compreende o mal que faz.
É caso para dizer: Senhor, não perdoes jamais, que eles sabem bem o que fazem.

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12.02.23

Vou já avisando que isto hoje é um apanhado da semana escrito por uma morta-viva que não tem uma aberta de sorte porque a vida lhe está sempre a espetar com lambadas no focinho.
Maneiras que:

1. Estive de férias mas trabalhei. Passei grande parte das manhãs de pijama, com os dentes por lavar, revoltada com o frio e chateada comigo por não ter forças para fazer melhor.

2. Tenho roupa pousada aqui e ali e as prendas do miúdo ainda estão no sofá da sala porque não descobri onde as enfiar no quarto dele. Tenho de ligar à Maria Com Dor.

3. O meu filho fez oito anos e ganhou uma guitarra. Foi uma decisão muito inteligente da minha parte.

4. Ainda não acabei de ler o livro que comecei há 3 semanas. Está pendurado por cansaço e porque ainda não sei se gosto dele. O tema é sem dúvida interessante, é a estrutura que me aborrece.

5. Este frio paralisa-me. Não fosse o toque de caixa que me obriga a fazer as coisas e eu estava inerte. É quase como se tivesse genética de urso e o corpo, sentido este briol, quisesse hibernar.

6. Passei as últimas horas da tarde de hoje em pseudo pânico porque a festa de anos do meu filho foi num daqueles sítios com bolas e insufláveis e eu estou sempre com medo que me desapareça uma criança.

7. Quando chegámos a casa, estupidamente achando que podíamos respirar de algum alívio, ficámos a saber que o senhorio dos meus sogros quer que dois velhos com 75 anos debandem da casa onde de vivem há quase 10 anos.

Por isso, olhem, vai ficar tudo bem e arco-íris e o caralho que foda o universo.

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11.02.23

E se for a igreja a pedir pelos professores, já os ouvem?

Não se fala de outra coisa que não seja a vinda do Papa, o altar-palco, as JMJ, o outro altar-palco e as baboseiras do Moedas e do Sá Fernandes. Ambos com os retornos de milhões na boca e os portugueses à rasca para ter onde viver e qualquer dia para ter onde trabalhar.
Ouve-se o que a igreja quer e o que apetece a uma cambada de gente estrangeira, mas fazem-se ouvidos moucos para aqueles que, garantindo as bases do país com tão precárias condições, gritam em plenos pulmões mas parecem estar em mute.
É um triste desgoverno, em que não se olha a custos para receber com tamanha cagança quem vem de fora, quando não se cuida de quem cá está todos os dias.
Gritam os professores, gritam os auxiliares, gritam os pais pelo futuro dos seus filhos e pelos seus empregos que se comprometem com mais um e outro dia de greve.
Até onde terão de ir para ser escutados. Para que as suas condições sejam ajustadas e os direitos básicos a exercer as suas funções com dignidade sejam atendidos. Os professores antes de serem professores são pessoas, e têm as suas famílias para cuidar. E quem fala dos professores, fala dos auxiliares, que tantas vezes ficam com as crianças até largas horas, quando o autocarro do pai ou da mãe falha e eles fazem esperar os seus, para que os dos outros não caiam em desamparo.
Metam o papa a falar no polivalente de uma escola secundária. Ou no pavilhão de outra. Os jovens estrangeiros que tanto dinheiro vêm cá gastar podem lá ir às casas de banho e, cumprindo os sonhos do Sá Fernandes, quem sabe ainda se embrulham atrás do pavilhão. Desde que seja sempre um Jean-Paul com uma Natalie e nunca um Francesco com um Pablo, que nossa senhora nos livre.
Este ano o meu filho já teve mais dias sem escola por razão de greve do que por doença. E eu, mantenho-me pedra e cal ao lado dos professores. Ainda assim, temo pela educação do meu filho, que vai ficando para trás face aos privados que seguem a velocidade cruzeiro.

Ouçam os professores, se não por respeito a eles, que seja pelo dito amor a deus. Deem-lhes o que eles pedem, por eles, pelas crianças, por nós, que desesperamos ao lado deles.

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10.02.23

Oito anos.

Amo-o para lá do que a razão pode explicar.

Temos o mesmo feitio. E estes olhos grandes, escuros e curiosos.
Somos palhaços. Rimos de palavras só porque ouvimos as palavras. Comemos gomas por ordem de preferência. Gostamos de fazer os outros rir e tentamos encontrar o lado cómico daquilo que nos dói. Eu hoje sei que o faço para aliviar o fardo, ele um dia vai entender isso também.
Eu babo-me com croissants do careca e ele até bate palminhas só de ouvir que os vai comer. É assim desde que comeu o primeiro, tinha ele um ano de idade. Diz com orgulho imenso que é alfacinha, só porque foi nascer ao outro lado da ponte. É um miúdo de abraços, tem tanto de despistado quanto de carinhoso e é muito de ambos. Derrete-me quando abraça a irmã e lhe segreda que ela é a melhor coisa da vida dele.

É ele que me ensina todos os dias a ser mãe e é por ele que tento ser alguém melhor, porque acredito, genuinamente, que o exemplo faz a diferença.

Às vezes apetece-me pendurá-lo pelas orelhas no estendal, quando ele faz coisas como ir buscar letras com ímen para escrever "cagalhão" na porta do frigorífico, ou quando me diz que eu, quando ralho, pareço um Pokemon em evolução.

É, gosto de acreditar, o resultado de quem se sente livre e amado.

Ontem contei-lhe mais uma vez como foi o dia em ele nasceu, e enquanto falava, parecia-me que tinha acontecido há dois dias. O tempo, estou cada vez mais certa disso, não corre, voa.

Agora vou ali choramingar mais um bocadinho, porque o meu primeiro bebé está a ficar um crescido.

Parabéns ao meu matulão, que adora saber as capitais dos países e que me ensinou que os ursos polares não comem pinguins porque os pequenotes de smoking e andar engraçado moram no Polo sul.

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09.02.23

A todas as mães.

Escrevo enquanto tento convencer-me de que me consigo apaziguar com estas palavras. Escrevo procurando que este texto sirva para mim e para todas aquelas que o lerem.
Às vezes, o amor que temos aos meus filhos chega. Eles não precisam que estejamos sempre com a capa de supermulher vestida.


Sou mãe e não sou de ferro. Não sou invencível, ainda que acredite que consiga crescer vinte vezes o meu tamanho para defender os meus filhos. Não sou feita de um material inquebrável, sou uma salganhada de amor, beijos, gritos, olhos revirados, abraços, esforço, noites mal dormidas, dores nas costas, colo, pés estraçalhados por peças de Lego, cantigas inventadas para embalar, ombro amigo, enfermeira sem curso, Uber sem TVDE, cozinheira sem requinte e restos de slime. Faço o melhor que posso e espero conseguir chegar a velha e olhar para os meus filhos com o orgulho de saber que a minha dedicação se traduziu em bons seres humanos, com compaixão pelo outro, que se emocionam com vídeos de cães que encontram uma família e bebés que superam as suas dificuldades. Gente cuja máquina bate no peito a toque de uma espécie de manteiga mágica que os faz passar pelo mundo sem que sejam alheios a quem os rodeia.

Sou mãe, choro, sofro, dou comigo em modo Fernando Pessoa, ele tinha todos os sonhos, eu tenho todos os medos. Porque os quero tanto, lhes desejo tudo e por eles, às vezes, até acho que aprendia a voar.

Sou mãe, tomo más decisões. Digo não quando já não sei se sim era uma melhor escolha e digo sim para depois pensar que sou imbecil. Compro gomas duas horas depois de lhes dizer que se continuam assim nem a casa recebem de herança.

Sou mãe, sou esquecida. Prometo castigos que não cumpro e digo que no meu tempo era desta e daquela forma, porque já não sei que mais dizer. Viro peúgas, aspiro migalhas e arrumo brinquedos. Resmungo e garanto que não volto a fazer só para darem comigo, meio dia depois, na mesma precária condição.

Sou mãe, vivo com a culpa de nunca chegar. De dar a um e de sentir que falto com o outro.

À noite, quando os aconchego e lhes digo o quanto os amo, peço apenas que eles saibam, no fundo do coração, o quanto a mãe sempre os quis.

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08.02.23

Eu não consigo fazer tudo.
Aqui está. Disse. Não há hashtags que me valham. Nem #foco nem #nopainnogain nem #deusnocomando nem porra nenhuma.
Fraca me confesso e fraca me aceito sem réstia de culpa.

Não consigo ser profissional a tempo inteiro, ser mãe perfeita, ser esposa dedicada, ser dona de casa exemplar, ser uma leitora ávida, ser uma desportista de mão cheia e repleta de motivação, ser cozinheira com pratos saudáveis e bonequinhos de legumes que fazem os miúdos adorar brócolos.
Não consigo tudo. Às vezes até acho que não consigo nada.

Vou fazendo o que posso. Sendo empenhada no trabalho. Cuidando dos meus filhos e pondo-os sempre à minha frente, uns momentos só de beijos e mel, outros com berros e fel. Dando e procurando quem que ama e procura também, uns dias conseguindo falar de coisas que são só nossas, outros - muitos - sendo apenas uma equipa que resolve. Tratando das tarefas bem que chegue para que a loiça não seja uma pirâmide de pratos por lavar e a cesta da roupa um poço sem fundo. Lendo duas ou três páginas antes de deitar e às vezes adormecendo antes de terminar o último parágrafo. Sabendo que não me meto em forma com treinos de cinco, dez e quinze minutos, que me prometem um corpo esbelto quase sem esforço. Um corpo torneado custa tempo e dedicação. Fazendo sopa e salada a todas as refeições para compensar as batatas fritas que vão aparecendo, o esparguete com um toque de manteiga e a massa folhada que safa sempre quando uma pessoa já não sabe o que pôr na mesa.

Não consigo ser a mulher dos mil ofícios, perfeita em todas as frentes, poderosa, arranjada, perfumada, de cabelo esvoaçante e unhas cuidadas. Que faz tudo de acordo com uma agenda escrupulosamente organizada, uma agenda tão boa que nem olha para a logística necessária para transitar de uma tarefa para outra. Se calhar é só a minha logística.
Talvez um dia consiga. Mas não está para breve.
Para já sou só uma mulher imperfeita e incompleta a fazer o melhor que pode. E por estranho que pareça, neste mundo de aparências, até acho que estou bem assim.

 

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