A idade, dizem, é apenas um número
Dou comigo a caminhar para os quarenta e a pensar o que é feito da vida. Faltam dois anos e, apesar de, para quem já lá chegou lhe parecer muito, para mim, que vejo as semanas a cavalgar, parece que vai ser já amanhã.
A idade, dizem, é apenas um número. E é. Mas comporta as ponderações que faço da vida. O que fiz, o que queria fazer e ficou em espera, o que já sei que nunca farei.
Talvez seja por isso que hoje, quando penso em coisas que ainda quero fazer, me ocorra de imediato que as farei quase com quarenta. Não acrescenta nem subtrai nada ao que possa fazer, mas parece tarde, como quem chega atrasado a um acontecimento importante.
Há uns meses fui com o meu pai a uma consulta. A idade, aquela que dizemos ser só um número que se alcança subtraindo o ano de nascimento à data do dia; a idade tem pesado, fá-lo andar lentamente, raciocinar com menos vigor, olhar demasiado para trás, para o que lá ficou, o que não volta. Vive as lembranças de cada ano, aqueles que são números passados e riscados na caderneta, e lamenta que a vida agora só lhe exista nas memórias, nos objetos que guarda na cómoda do quarto, nos tarecos que resiste em deitar fora. Noto que vê um futuro de uma só porta, que sente que pela frente o caminho está cheio de pedras e que por isso caminha devagar, então, a cada passo olha para trás, para as peripécias em Alcácer, para o que lhe roubaram no Ultramar, para as obrigações de casa-trabalho, para os filhos a nascer, os pais a partir, a mulher a adoecer, o mundo que desmorona devagar. Às vezes, quando a reta final chega já nós estamos mais mortos que vivos, tal não é a soma que nos subtraíram. Já ardeu a maior parte do pavio, resta esperar que o pedaço que resiste queime lentamente.
Olho para o meu pai e vejo-o à procura de explicação para tudo o que ficou por fazer. Pondero a minha vida e receio deixar na sala de espera aquilo que quero levar a cabo.
Então escrevo.