Agosto às 5
Dia 5
Tenho tido tempo. Muito. Tanto tempo que dou comigo a contar o tempo que falta para que chegue a hora de alguma coisa que eu tenho de fazer.
Repito-me. Dou comigo sem saber em que dia da semana vamos.
Amanhã é sábado. Fui confirmar.
Leio, vejo documentários, ligo o computador e escrevo estas linhas para não perder o traquejo da escrita. Tenho ideias mas falta-me a disponibilidade mental para as reduzir a escrito. Penso: jamais concluo essa ideia até ao parto e depois não vai haver cabeça para isso.
Uma das histórias em que pensei é a de uma mulher com dois filhos que um dia dá o tilt, aniquilam-se-lhe as sinapses todas, e, a meio da noite, sai de casa, com as suas havaianas de padrão floral desbotado e camisa de noite do Harry Potter. Caminha sem destino concreto. Para em Azeitão para comprar umas tortas para a viagem e, depois de curvas e contracurvas, chega a Elvas. Ali, sem se saber muito bem como, abre um negócio de eliminação de piolhos, o qual a torna a rainha do piolho. Volta a casa quinze anos depois, abastada, pedindo perdão aos filhos por tê-los deixado a meio da noite para perseguir o seu sonho de dizimar lêndias.
Dou comigo a pensar em cenários idílicos, a fazer planos de recuperação física, a ultrapassar catástrofes pessoais. Outras vezes ocorrem-me coisas mais simples, como a chegada a casa e a receção que os cães farão ao novo ser. A Tulipa vai olhar para ela e fazer aquelas ventas de quem diz: desde que sejam vocês a tratar disso. O Ghandi vai cheirá-la horrorizado e fugir com ar de vítima que pensa: outro? Foda-se! O Bob vai ser o eterno entusiasta, aquele que vê sempre uma fonte de qualquer coisa boa em mais um par de mãos. Conto com o Bob para roubar rocas, bonecos com apitos e suspeito que chegará o dia em que dou com ele adormecido com uma chucha que não lhe pertence. Porque este é o Bob, o cão que se indigna quando alguém não dá valor à sua presença. O cão que parece ter uma pessoa boa lá dentro. O cão que me faz companhia nas madrugadas de insónias, encostando a cabeçorra à minha perna, olhando-me com os seus olhos esgazeados, numa expressão que diz: porque hás de te arreliar quando me podes estar a dar festas?
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