Agosto às 5
Dia 6
Ontem o Ricardo perguntou-me qual era a coisa que eu mais amava na vida. Normalmente quando me faz esta pergunta quer ouvir: tu, filho. Sempre tu.
Em vez disso respondi-lhe: os meus filhos.
Ele espantou-se com a resposta no plural de disse-me: filhos?, mas tu só tens um filho que sou eu.
Eu disse-lhe: sim, filhos. Tu e a mana. Que está aqui, sempre comigo.
É que para ele a irmã, ainda por nascer, é uma barriga grande e meia dúzia de fotografias com fraca resolução que os pais lhe mostram de vez em quando. É o carrinho que está a ocupar espaço no quarto dele, as roupas mínimas que temos comprado, a projeção de um futuro ser humano com quem ele vai conviver e que espera (e me pergunta tantas vezes) que o vai amar muito também. Mas para mim, a minha filha, a irmã dele, é muito real. Não preciso de a ver para o saber. Está aqui, comigo, a tempo inteiro, nesta relação quase possessiva em que ela é só minha e de mais ninguém, em que a tenho aqui só para mim, resguardada de todas as coisas de que tenho medo no mundo. Está aqui, a fazer companhia de uma forma um tanto ou quanto abrasiva, é certo, pautando-se a sua interação por murros, pontapés e cabeçadas em órgãos vitais, mas, ainda assim, fazendo dar-se conta de que aqui está.
Com ela, com a expectativa do rosto e da filha que tratei ao mundo, moram os medos, os medos do que pode correr mal, dos planos gorados, das coisas que a vida leva sem explicação. Depois dos medos, ou ao lado deles, a espera por um natal com mais um, as mãos dadas dos irmãos, o cão a roubar rocas, as impaciências – mais tarde – porque aquela camisa ainda não está tratada. Está aqui, ainda não nasceu para o resto do mundo, mas existe para mim e mostra-me isso todos os dias, especialmente quando sova a minha bexiga, deixando-me claro que não é desta que tenho uma princesa indefesa, vestida de rosa e adornada a purpurinas. É mais fácil que vá para lutadora de MMA.
Depois de lhe ter dito: sim, filhos. Tu e a mana. Que está aqui, sempre comigo. Ele fez aquele olhar de quem diz: ah, pois é. Depois voltou a perguntar aquilo que me pergunta quase todos os dias: a mana nasce quando mesmo?
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