As celebridades digitais publicam aquilo que os seguidores querem ver
Porque são esses, em número geralmente avultado, sempre dispostos a validar as escolhas com corações e frases fofinhas, e sedentos de ir comprar tudo o que a celeridade aconselha (mesmo que diga #pub no fim), são esses que garantem os patrocínios, as portas que se abrem, os contactos das marcas, os códigos de desconto, as roupas oferecidas e por aí em diante.
Nas casas das celebridades digitais (regra geral, falo sempre na generalidade), elas estão sempre bem vestidas, a casa limpa, não há migalhas no chão, a luz está invariavelmente na posição certa para que a fotografia não pareça ter sido tirada no fundo do túnel. Os pratos de comida são especialmente coloridos e nunca borram molho nos cantos. Nas casas das celebridades digitais as crianças andam sempre bem penteadas e bem vestidas, não aparecem cagadas com o iogurte da manhã e mesmo quando fazem birra as fotografias podia estar no centro de qualquer revista de moda. A vida das celebridades digitais não cresce nas redes sociais graças à elevação do conteúdo escrito, é uma conquista por imagem. Tem mais likes quem tem a melhor imagem. Tem mais seguidores quem tem uma vida mais diferente da massa de quem os segue. Porque as pessoas não têm tempo para ler até ao fim, têm de gastar o seu tempo bem racionado com quem inspira, com boas casas, férias de sonho e roupas que que custam, no mínimo, metade do ordenado mínimo nacional.
Podem dizer-me “ah, mas deviam dar o exemplo”. Só que o exemplo não traz rodos de seguidores, não paga contas ao fim do mês, não proporciona aquela vida imaculada. A riqueza do conteúdo inteligente, se desprovido de beleza de imagem, não conquista a massa de pessoas que seguem cegamente as celebridades digitais. A massa de pessoas que acompanha as celebridades digitais não questiona a realidade do conteúdo, da mesma forma que não lê o texto se tiver mais de cento e cinquenta caracteres, a menos que tenha no inicio um alerta de GIVEAWAY e aí sim, já vale a pena porque é preciso saber as instruções para ganhar três embalagens de creme que custa os olhos da cara. Os giveaways não foram inventados para dar alguma coisa a quem participa, foram enjorcados para angariar mais seguidores para a celebridade digital, para a marca e para gerar o bendito engagement.
Ter cem mil seguidores facilita as coisas. Ter meio milhão mais ainda. Usando-me como exemplo: se eu tivesse cem mil seguidores não tinha escrito uma história na esperança de que, quem sabe, um dia, alguém olhe para ela. Teria escrito uma história com alguma certeza de que seria publicada ou quem sabe até, após ter sido convidada. E isto não é uma critica às editoras. As editoras têm de ganhar dinheiro porque têm ordenados para pagar. Isto acontece porque é preciso fazer vendas e vivemos num país onde as mesmas pessoas que acham que comprar um livro por mês é caro, adquirem um exemplar da Nova Gente todas as semanas.
(e com este paragrafo torno-me, já sei, uma invejosa, que tinha de escrever isto porque está ressabiada porque também queria e mimimi e não tem)
Isto vem tudo a propósito da publicação de uma celebridade digital (que eu nem sabia quem era até aqui) no dia seguinte a ter dado à luz. Uns fizeram pouco salientado o ridículo. Outros apontaram o dedo. Outros saíram em defesa, quais gárgulas da pátria digital. A mim não me causou nenhuma impressão a fotografia estilo reclame da Planta em 1987. Não passa de mais do mesmo. Esta publicação não é, em conteúdo, diferente das três mil e tal antes dessa. O que me surpreende é que mais de meio milhão de pessoas se interesse naquela conta, é que mais de cem mil pessoas tenha gostado da publicação e mais de cinco mil tenham comentado. Esses números sim, são reveladores, não das escolhas da celebridade, mas da sociedade em que vivemos, onde o fútil e desprovido de conteúdo enriquecedor é premiado por uma fotografia mesmo linda, daquelas que fazem lembrar as princesas. Porque quem sabe, só quem sabe, se pensarem como aquela pessoa e se usarem todos os produtos que aconselha, a vida venha a ser assim, com a mesma luz, as mesmas bancadas de cozinha imaculadas, a mesma pele lisa ao sol, debaixo de uma palmeira nas Seychelles.
A minha experiência neste planeta é apenas na ótica do utilizador, mas diz-me que as pessoas não querem saber da realidade, nem mesmo quando são obrigadas a vivê-la, quanto mais aqui, nas redes sociais, onde podem ser e sonhar com outra coisa qualquer.