As mães também fazem birras.
Porque há dias em que não lhes apetece nada. Porque há dias em que já não há forças para ver desenhos animados e fazer caretas e deixar-se ser convencidas a fazer aquilo que não têm vontade. Porque se é para sair e fazer mais um passeio que desagua nas coisas que os filhos querem para não lhes aturar mais um amuo, mais vale ficar em casa, agarrada ao aspirador ou a inventar tarefas feitas à bruta para descarregar a neura. Porque há dias em que a única coisa que parece funcionar é um sofá, duas pernas esticadas, um livro lido com o catrapiscar de um programa fútil no intervalo de cada capítulo.
As mães também fazem birras. Porque estão cansadas da roupa que ainda não está tratada, das idas ao parque, das corridas em casa, dos brinquedos que ficam semeados, das migalhas deixadas em carreiros, da fome que chega quando a cozinha acabou de ser arrumada, das respostas tortas ou dos choros a troco de nada. Estão saturadas de estar sempre erradas, dos olhos revirados, de serem as chatas de serviço.
As mães também fazem birras. Porque estão pelos cabelos de se repetir, de pedir que a escova de dentes volte a ser guardada no sítio, que o tampo da sanita venha para baixo, de pedir que se grite menos, de gritar porque estão fartas de pedir o que não é ouvido.
As mães também fazem birras. Porque querem ser boas mães, porque leem livros e apontam dicas e perguntam às amigas e aos entendidos e especialistas sobre a melhor forma de lidar com isto e com aquilo e, mesmo assim, nunca parece bastante. São melgas, não entendem, gritam, podiam falar mais baixo, vivem lá no tempo delas, preocupam-se demais, preocupam-se de menos.
As mães também fazem birras. Porque a culpa é sempre delas. Porque não anteciparam, não organizaram, não previram, não pesquisaram, não questionaram, não se preveniram, não adivinharam na bola de cristal que evidentemente pariram no dia em que trouxeram ao mundo o primeiro filho.
As mães também fazem birras. Porque se lhes esgota a energia. Porque quando fazem uma coisa bem só fizeram o que uma mãe faz, mas quando fazem uma coisa mal, Deus nos acuda. A impostora, não merecedora do mais puro e elevado epiteto. Mãe.
As mães também fazem birras. Porque têm saudades de ouvir o seu nome. Aquele com que foram batizadas, até aquele que desejaram que fosse outro durante tantos anos. Aquele que lhes confere identidade. Porque passam a ser “a mãe”, chamada assim pelos filhos, pelos professores, pelos médicos, pelos amigos dos filhos, pelas mães dos amigos dos filhos.
As mães também fazem birras e têm direito a elas. A bater o pé, a gritar, a descabelar-se, a dizer: hoje não estou para isto. A fazer valer a sua vontade sem remorso, a deixar os filhos com os avós para fazer nada e fingir, por meia dúzia de horas, que ainda mandam no seu nariz. Têm direito a dizer: não me apetece, agora vai brincar para o teu quarto, entretém-te um bocado sozinho, deixa-me aqui um bocado por minha conta.
As mães também fazem birras. Porque antes de terem filhos eram pessoas donas das suas vidas, que não se moldavam às necessidades de pequenos seres que ainda não sabem limpar o próprio rabo, porque têm saudades de serem donas de si, sem o peso da responsabilidade, da culpa e do remorso.
As mães também fazem birras. E amuam e ficam de trombas. E depois, ou ainda durante correm para os filhos quando estes batem com o joelho na esquina da mesa a fazer o que já lhes haviam avisado estar errado. E abraçam e dizem que já passa e que os amam muito e dão beijos em joelhos sujos de andar pelo chão.
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