Catorze
Se eu tivesse 100 mil euros no banco ficava em casa sem trabalhar até a Inês completar dois anos. Estou certa de que, se tivessemos 100 mil euros no banco o Nuno também ficava em casa sem trabalhar por esses mesmos dois anos.
A licença devia ser assim: pai e mãe juntos pelo menos 1 ano.
Deixávamos para trás a entrada para uma casa nova, o carro mais recente e meia dúzia de roupas que tantas vezes compro para me sentir compensada por tudo o resto que me escapa por entre as mãos.
Podíamos ir buscar o Ricardo à escola, com tempo para saber como foi a manhã, para fazer os trabalhos e jogar um jogo de tabuleiro, para ir dar uns chutos na bola no jardim atrás do prédio e treinar os exercícios para a prova de aferição. Para ver com ele o Atlas e todas as coisas que descobriu, sem olhar para o relógio porque o jantar tem de andar que amanhã é dia de trabalho e de escola e é melhor adiantar coisas antes que a bebé acorde porque depois já não adianto nada.
Para que pudéssemos estar aqui para todas as gracinhas dela, logo agora que cada dia tem uma coisa nova. Para sermos os primeiros para as primeiras coisas, os primeiros passos, a primeira palavra, sem que essa seja uma alegria de quem toma conta por nós. A quem sorrimos, dizemos "ai, foi" e voltamos costas com a sensação de que algo tão nosso nos foi roubado.
Para que possamos cuidar de nós sem que o sentimento de fardo apareça, sem nos anularmos constantemente porque as crianças absorvem todo o tempo que sobra depois das responsabilidades. Trabalho e logística.
Arranjávamos tempo para uma corrida à vez todos os dias. Teríamos tempo para ler mais alguns dos livros que continuamos a comprar sem sabermos onde vamos arranjar vagar para passar as páginas pelos olhos.
Depois destes dois anos logo voltávamos à vida ativa, ao pica o boi, ao ramerame do carre para ali e anda para aqui. Mas fá-lo-iamos com outra satisfação, de barriga cheia de família e mimo.
O dinheiro sozinho não traz felicidade, mas compra tempo e com esse a gente faz muita coisa que não tem preço.