Com uma pitada de civismo ir à praia seria um momento ainda mais agradável
Se juntarmos uma colhezinha de café de noção, uma colher de chá e bom senso e mais um cheirinho de consciência de que o mundo não nos pertence, então seria mesmo perfeito.
O nervoso miudinho começa com os carros estacionados às três pancadas que impedem a boa circulação de todos os outros, obrigando a manobras de finta para se conseguir chegar ao destino. Ultrapassados esses, então é preciso fazer razias e rabetas às sereias da praia e seus cortesãos que se pavoneiam na estrada, ocasionalmente de pranche debaixo do braço, qual Kelly Slater dos Capuchos. Lá seguem no seu compasso pairante, como quem se ergue sobre ramo de nenúfares. Atiram-se para a estrada e escancaram as portas das suas carroças aladas enquanto olham para os condutores que passam e que quase lhes levavam uma parte da chapa, explicando, só com o brilho das lentes borradas de protetor solar, que era evidente que iriam entrar e que quem está mal que se desvie, há muito espaço, mesmo que a ocupação desse espaço obrigue a manobras rápidas em contramão.
Chegados ao areal aparece um grupo musical, onde o artista DG da esquina traz uma coluna de som presa ao pescoço como uma coleira. Não estão nem aí para os outros, curtem o seu som, dançam, abanam a cachola e têm um semblante de quem, caso seja contrariado, vai subtrair uma vista a alguém com dois paus de incenso. A música, invariavelmente uma valente merda, fez-se ouvir num diâmetro razoável obrigando todos a participar de um arraial para o qual não queriam ser convidados. Mais uns lugares à frente temos o grupo de rapazes valentes, incapazes de controlar a bebida e as hormonas, levam com eles uma geleira e uma caterva de minis e vão para o areal impressionar as garinas. Estes, felizmente não aparecem sempre, são mais ou menos como a fava do bolo rei, é preciso que a pessoa esteja mesmo com azar. Mas, em cada dez idas à praia, lá estão eles, com as suas gargalhadas guturais, os seus alhos e os seus bugalhos mesmo que à sua volta estejam apenas famílias com crianças pequenas.
Chegamos aos sempre presentes: os CR7s do areal. Não conseguem dar um xuto a direito na bola, mas são uns valentes a aplicar força na esfera. A força é de facto o seu ponto forte, já que a esperteza não os acompanha. Nada tenho contra que se jogue à bola, em zonas mais afastadas das toalhas, com respeito pelo espaço dos outros. É um divertimento como outro qualquer. Mas não consigo conceber que se ande a dar biqueiros de pé bem puxado atrás, sobressaltando quem está na toalha com bolas rasantes, em risco de acertar numa pessoa idosa, na barriga de uma grávida, na cabeça de uma criança. Sim, porque os campeões da finta balnear não se preocupam se há crianças de ano a cambalear divertidas para o mar, eles têm toques para dar e pujança para mostrar.
Ainda podia continuar com gente que manda areia para cima dos outros a caminho da toalha, cães de água com pernas que não passam sem abanar a tola molhando quem está quieto a secar o seu bacalhau ou molhando as páginas de quem lê. Não me meto sequer com o cheiro a rissóis, as conversas altas cheias que obrigam quem está nas toalhas ao lado a saber que a prima Cheila sofre de hemorróidas e o marido anda com o pinto assado. Até dou de barato quem, com espaço para estar a dois decentes metros, tem de meter a toalha a vinte centímetros.
Era começar com coisas pequenas, como uma onda gigante que colhesse para alto mar um imbecil de cada vez ou arranjar um herói do areal, que trabalharia num contrato sazonal, a patrulhar a nossa costa, com calções de praia curtos e duas listas brancas de protetor logo abaixo de cada olho. O nosso incansável guerreiro do bem-estar à beira mar estaria atento aos palermas, enfiando-lhes pelo cu acima o objeto com o qual prevaricam.
Fica a ideia.