Comprei o pirilampo
O meu pai comprava o pirilampo mágico todos os anos. Recordo-me da importância que dava àquele gesto. Não era uma escolha, era como um obrigação. Tenho de ir comprar o pirilampo deste ano, dizia. E lá aparecia, com o saquinho pequeno, onde lá dentro estava o pequeno boneco felpudo, sempre de uma cor diferente, com os seus olhos desirmanados, os seus pezinhos de autocolante, a antena de curvas e contra curvas que nunca vinha ajeitada e a fita que o anunciava em letra quarenta e dois pirilampo mágico ano-tal-e-tal.
Assim como tantos outros pais, do alto da sua piroseira de pai, punha o pirilampo colado no tablier do carro, trocava o velho pelo novo, como se aquele bonequito de ar raquítico fosse um documento obrigatório de valor equivalente ao selo, ao seguro e à carta de condução. Imagino-lhe a preocupação de ser parado numa operação stop e dar consigo a ser abordado pelo guarda que lhe pediria: carta de condução, documentos da viatura e pirilampo atualizado se faz favor.
Na semana passada, no meio das folhas amarfanhadas que o meu filho traz da escola, lá estavam os papeis e autorizações: fotografia de turma num papelinho e pirilampo noutro.
Hoje chegou-me a casa com o bonequito, que vem sem saquinho, sem fita, sem pelo, sem olhos desirmanados, sem pés que colam e com uma antena resistente ao desalinho.
Soube-me a pouco, estava a contar de ter na palma da mão um bocadinho do tempo que já lá vai.