Dois
Coloque-se em posição de agachamento. Isso. Agora pegue no haltere com a mão direita e levante o braço acima da cabeça. Boa. Toque com a mão esquerda no calcanhar direito e faça força nos glúteos. Excelente trabalho. Este treino é ótimo porque trabalha upper body, lower body e core. Faça 5 sequências de 10. Não são mais do que 15 minutos e fica com um treino completo para o dia. Qualquer pessoa tem 15 minutos. Não há desculpas para não treinar.
Só que há. Não desculpas, mas razões. Este parece ser o discurso de quase todas as páginas de treino que encontro. Cada exercício a tentar espremer a maior parte de grupos musculares possíveis, tudo para esmifrar um treino completíssimo em menos de um quarto de hora. Até aqui tudo bem, se eu puder ficar mesmo boa em 15 minutos escuso de correr 1 hora. O problema é que não estamos a falar exatamente de 15 minutos, não é? Já que o treino até pode ser rápido, mas a logística em torno do treino é implacável. Em princípio (a menos que seja PT) não ando sempre de roupa de desporto, o que significa que, para treinar vou precisar de trocar de roupa e aqui temos logo, na boa, uns 5 minutos. Depois de acabar o treino, é conveniente - para bem do asseio e da convivência em sociedade - que tome um banho e troque de roupa para algo limpo e que cheire a lavado. Temos logo mais 15 a 20 minutos. Ora, tudo somado, já vamos em 35 a 40 minutos. Isso já é tempo mais difícil de esgueirar num dia.
Dizem que o melhor é deixar o treino despachado logo de manhã, e idealmente é verdade, mas para quem já se deitou fora de horas porque teve de preparar o dia seguinte, para quem não dormiu a noite toda porque os miúdos acordaram, não é assim tão simples acordar meia hora mais cedo. De mais a mais, as manhãs já são caóticas que chegue, a despachar pequenos-almoços e marmitas, a garantir que as malas estão prontas para a escola e que levam peúgas da mesma cor. O treino sabia bem depois desta azáfama, mas nessa altura já está a pessoa atrasada para chegar ao trabalho a horas.
A hora de almoço também é uma hipótese, mas lá está, é uma escolha: comer ou treinar. Porque existe um limite para o que se consegue fazer em 60 minutos. Para não falar que, quem tenha que se deslocar ao ginásio tem de acrescentar ainda mais uns 15 minutos para o caminho. Ou seja, nesta proposta temos fome e treino para chegar ao treino. Quando a pessoa pega nas tarefas de tarde já está de tal forma elétrica que é possível carregar um Tesla se lhe espetarmos com a ficha no reto. É experimentar.
Ao final do dia também dá, mas é menos aconselhado porque a vontade vai diminuindo. Dizem. Não é a vontade que diminui, são as tarefas que se acumulam, porque é preciso despachar banhos, garantir que os TPC são feitos e que há jantar na mesa.
Sobra aquela hora tardia antes de dormir, quando a pessoa finalmente suspira porque está toda a gente a descansar e talvez consiga ir tomar um banho sem ter filhos, tarefas ou o relógio à perna, a última coisa que precisa é de correr o risco de deixar cair a porra de um haltere e acordar alguém. Para além do que, o que sabe realmente bem, é agarrar num livro e ler meia dúzia de páginas para exercitar o cérebro ou adormecer a ver uma série enquanto se baba ligeiramente para o lado.
Dito isto, sim, os treinos são bons. Tenho muitos guardados nos meus favoritos do Instagram. Uma vez por semana, com sorte, lá faço um. Quando alguém fica com os miúdos e eu finjo não ter filhos e troco o aspirador (apesar de o chão estar uma miséria) pelos halteres.
Lá está, não há desculpas, é um facto, porque há razões e essas variam com a vida de cada um.
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