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Exercício de escrita

Estamos um país de gente pouco amiga das pessoas.

01.09.22

No outro dia alguém dizia que somos um país pouco amigo das crianças, mas creio que, ainda que sendo verdade, a realidade é mais profunda.

Podia dizer-se que o problema é do governo, da oposição, das cabeças profissionalmente cuspidoras de opiniões que ocupam cadeiras no Largo do Rato, mas não acaba aí. Esses, todos os que lá estão, não são menos do que um reflexo daquilo que vemos no dia-a-dia, de pessoas que, nas suas vidas comezinhas, só olham para o seu umbigo.

A empatia parece estar em desuso. A menos que seja em comentários com emojis nas redes sociais e em quantidade de likes. E mesmo aí, só em causas desgraçadas em que o manifesto pela pena se enaltece para mostrar como cada um se condói com a dor alheia, num: olha para mim, que sofro tanto por este pobre.

Importa o eu, o eu, o eu e depois o eu. O que eu quero, o que eu preciso, o que eu desejo, o que eu mereço, o que eu tenho direito. E travamos naquilo que eu tenho dever, porque o dever obriga a algo que custa e então esse pode ficar fora da lista.

Vivemos numa constante guerra de posições, em que não se assiste ao esgrimir de argumentos informados e à análise de factos de fontes credíveis. Em vez disso transformam-se opiniões em dogmas e procura-se o porta-voz mais incisivo para transportar a mensagem.

As pessoas não conversam, porque conversar pressupõe, mais do que falar, escutar o outro. E a única coisa a que se assiste é a gente que só se ouve a si e a quem fala palavras iguais às suas.

As notícias são sensacionalistas e sanguinárias. Os jornais lutam pela capa que mais indignará quem passa. Para que fique para ler as outras letras grandes sem nunca chegar às mais pequenas. Evita-se o enfadonho. Os factos. Aqueles que permitem desconstruir a indignação que incendiará o dito envolvimento. Sem envolvimento não há comentários nem partilhas, não há um propagador de informação (distorcida ou não) para ocupar o pódio.

As pessoas procuram a lado criticável de cada notícia. A vida vai mal, vai vazia, vai sem a praia de águas cristalinas e pior do que isso, num emprego que detestam, com horas a fazer o que não lhes apetece.

Por isso importa que a Maria não estivesse feia que chegue a sair da maternidade. Que a Josefa não tenha conseguido perder o peso e já passou um ano desde que pariu. Que a saia da sicrana era curta para ir a igreja. Só se vê ladrões, assassinos e incompetentes, seguindo-se a nota de que: as pessoas são burras, votaram neles. Nota esta, frequentemente proferida por quem, tantas vezes, nem se levantou do sofá para pôr a cruzinha no papel.

A mixórdia é tanta e tão vasta que vai do momento a que se pede uma bica até à altura em que precisamos de uma ambulância para ir às urgências.

É o carro que ocupa o lugar do portador de deficiência. A mulher que vê uma grávida atrás de si e desvia o olhar para que não tenha de lhe dar a vez. O carro que se para no meio da estrada porque dava muito trabalho andar dois metros. O carrinho de compras que fica por arrumar no meio do parque de estacionamento.

Todos, à sua forma e num determinado contexto, somos reféns da precariedade das nossas condições. O médicos e profissionais de saúde que arriscam em decisões possíveis (ou impossíveis) porque o desgaste é imenso e não há mãos a medir à quantidade dos que pedem ajuda para os que os podem ajudar. Os professores que ensinam como podem, tantas vezes de opinião cerceada, porque o governo quer estatísticas e os pais querem filhos perfeitos. Os pais que desesperam para ter quem cuide dos filhos, porque as férias de verão são quase três meses e os pais mal têm os 22 dias, já que uma parte desses acabam sempre gastos para resolver burocracias, muitas delas, justamente relacionadas com os filhos.

Damos atenção superficial a tudo e não avaliamos nada com o detalhe que lhe merece. Estamos sempre com pressa para voltar para a nossa vida ou para a próxima notícia cor-de-rosa. Queremos saber o que esta página disse e o que aquela influenciadora achou. Porque se alguém achar por nós não temos de perder tempo a pensar na nossa própria posição e perceber, tantas vezes, que gastamos tempo com o que não o merece, que apontamos o dedo acusador de forma implacável sem nos colocarmos no lugar do outro.

E nesta dança deixamos de querer saber dos outros. Ou queremos, mas só se for para lhes pontar o dedo. Tem de haver sempre um culpado. E às vezes o responsável somos o aglomerado que dá pelo nome de todos-nós.

 

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