Gosto muito de setembro.
Não sei se é o meu mês predileto, porque não sei se tenho um mês com esse destaque. Sei que gosto muito. Às vezes acontece assim, sei que gosto muito, mas nem sei bem porquê. Sei que me sabe a recomeço. Mais do que o ano novo. Mais do que o meu aniversário.
Não sei se sempre gostei de setembro. Porque não sei se gostei sempre de alguma coisa já que às vezes me canso até do que gosto. Sei que em setembro começava a escola e eu gostava de comprar os cadernos, de sentir o cheiro dos livros, de escrever o horário naquele retângulo de papel frágil, de comprar canetas de muitas cores, de sentir que a minha vida, tal como os cadernos de linhas ainda por estrear, tinha uma história por escrever e eu podia fazer melhor. Em setembro ia estar mais atenta, ia apontar tudo, ia usar uma cor para os títulos, outra para o texto, outra para assinalar as coisas importantes. Não ia riscar as anotações, ia ser rápida com o corretor. Ia aplicar-me na matemática e ser como o crânio da turma, que se sentava sempre no fim da sala e tirava dezanove a tudo. Em setembro acabava a moléstia do verão, fechava-se a porta ao calor intenso e a vida começava outra vez, como se a Terra se propusesse a mais uma volta ao sol a partir daquela data. Os meses que se seguiam poderiam corromper todos os planos. Mas em setembro não, porque em setembro os cadernos eram novinhos em folha, o estojo ainda não estava manchado das canetas rebentadas e eu ainda estava encantada com todas as matérias por aprender.
Em calhando foi a escola que me trouxe este gosto pelo mês de setembro. E agradeço-lhe isso. Como agradeço muitas das minhas melhores memórias. Porque gosto de carteiras de escola, das cadeiras de madeira, dos quadros de ardósia, dos apagadores carregados de giz, dos apontamentos e das letras indecifráveis dos professores, dos cadernos debaixo do braço, da mochila presa por uma alça, das coisas que se aprendem e que nos dizem baixinho que se as soubermos bem, portas e janelas se abrem e o caminho fica menos sinuoso.
Em setembro acaba a loucura das férias alheias, e eu aproveito o resto do descanso, reorganizo os meus dias, recomeço pelo meio tal como nos tempos de escola, como se o toque para a entrada já me fizesse falta. Preparo a minha agenda, desta vez em formato digital. Comprometo-me a cumprir escrupulosamente com cada quadradinho. Marco na agenda de mão as coisas que não são de trabalho. Vou fazer isto aqui, aquilo ali. Vou riscar quando está feito. Vou consultar todos os dias para não me esquecer. Vou fazer listas que me poupam à ansiedade. Vou imprimir novas, que posso pôr na porta do frigorífico - presas com as lembranças de sítios onde já fui - para lá escrever quando os ovos acabam e não ter de andar a fazer vistoria aos víveres sempre que vou às mercearias.
Em setembro tudo é possível. Menos voar. E plastificar livros sem deixar meia dúzia de bolhas ranhosas.