Joaquim está grávido de 24 semanas,...
tem as pernas inchadas e queixa-se de muito sono. A esposa, Maria Odete, aconselhara-o a deitar-se com as pernas para cima umas horas. Parece que com o Osvaldo, o marido da Graciete, funcionou bem quando esteve grávido dos gémeos, dissera-lhe.
Como se as pernas pesadas não fossem bastante, Osvaldo sente uma profunda tristeza por não ver o pirilau, a barriga tapa tudo e há mais de uma semana que nem em pé lhe mete os olhos.
A minha mãe rapou a margarida com a ajuda de um espelho antes de eu nascer. Vai na volta tens de fazer o mesmo, amor, esclarecera Maria Odete quando encontrou o marido desconsolado na casa de banho.
Urina múltiplas vezes à noite e por causa de mal ver o objeto já só o faz sentado, de cabeça pousada na mão, entregue à circunstância.
Maria Odete chega a casa amiúde à procura da ramboia que o marido, homem de dizer que sim, sempre providenciou em quantidade e qualidade. Tal acontece especialmente naqueles dias de trabalho mais leves no escritório, em que se fez pouco, não se receberam e-mails que dilatam as veias do pescoço e ainda se consegue passar no shopping para comprar um par de calças novo antes de seguir para casa.
Entra no carro e antes de comandar ao veículo que faça o caminho mais rápido para casa, reza para que Joaquim esteja bem-disposto, para que lhe apeteça dar umas cambalhotas. Maria Odete anda numa secura tal que o Lívio do arquivo, conhecido pelo mau hálito, lhe começa a parecer mais sensual do que seria de desejar. Maria Odete suspira e relembra-se que tem que apoiar o marido neste momento tão sensível da vida do casal, mas no seu âmago não percebe porque é que Joaquim não se esforça, porque não tenta mais, porque é que se deixa enlear naquela teia de ideias que só consideram chuchas e fraldas. É como se a vida que conheceram estivesse a ser assassinada a passinhos de bebé. Gostava que Joaquim fosse como o irmão da Valéria, sua amiga do ginásio. Não se recorda do nome dele, mas lembra-se bem de que, em conversa com Valéria quando as coisas começaram a descambar com enjoos e má disposição geral, esta lhe disse que com o irmão tinha corrido tudo pelo melhor, que tinha até aumentado o apetite sexual e que a cunhada andava nas nuvens com o desempenho do marido.
É tudo uma questão de usar pensamentos positivos. Sabes que o mindset é essencial para tudo, para treinar e para o resto da vida, rematou Valéria, personal treinar do corpo e coach da mente.
Nesse dia Maria Odete fez conversa com Joaquim, falou-lhe do irmão da amiga, deixou pairar no ar que, quem sabe, Joaquim poderia esforçar-se mais. Joaquim fez um estardalhaço a pousar os talheres, de tal forma que lascou um dos seus pratos prediletos da coleção que tinha comprado, em tons rosa-manteiga. Foi para a casa de banho chorar. Desejava que a esposa entendesse o momento frágil porque estava a passar em vez de o comparar aos outros. Arrependeu-se de ter aceitado ser ele a ficar com aquela responsabilidade, se Maria Odete estivesse no seu lugar é que ia ver como custa.
Joaquim perdeu a vontade, diz que a barriga o incomoda, que tem sono, que não se sente atraente, que lhe dói a cabeça, que está inchado. Anda por casa de um lado para o outro, nem troca o pijama. Joaquim está de baixa desde as 22 semanas, não conseguia lidar com o stress, a chefe dizia-lhe: as mulheres toda a vida fizeram isso, qual é a dificuldade? E ele, soterrado em tarefas e trabalho que lhe pediam que adiantasse antes da licença, acabou por ceder.
Estamos em 2054, os homens já geram bebés e as empresas ainda não têm consciência da sensibilidade de uma pessoa grávida, o que o desgaste e as hormonas podem fazer.
Joaquim inscreveu-se em vários grupos online para pais gestantes.
Maria Odete acha tudo aquilo um exagero. Quando decidiram ter filhos ambos fizeram os testes necessários para saber qual dos dois tinha mais saúde e condição física. Empataram. Então Maria Odete procurou informações aqui e acolá. Falou com colegas que, em reunião familiar, decidiram ser elas. Foi o relato da Jéssica da Contabilidade que a fez decidir terminantemente que, se queriam ter filhos, teria de ser Joaquim a ficar de esperanças. Não entregaria o seu pito em concreto a tal suplício.
Maria Odete chega a casa alegre e encontra Joaquim sentado no sofá, uma taça de gelado Ben & Jerry’s no colo, tem o robe sujo e a barba por fazer. Ainda não se penteou.
- Passaste o dia todo sentado aí, sem fazeres nada? Isso não te faz bem, estás a entregar-te à situação. – sentou-se ao lado de Joaquim e, ainda que lhe faltasse vontade e paciência para estar a lidar com aquele momento deprimente, logo naquele dia que lhe tinha corrido tão bem, afagou as costas de Joaquim e deixou que este chorasse e deitasse cá para fora todas as suas lamúrias. Afinal de contas, podiam achar o que quisessem, mas não era uma insensível.
Joaquim falou das dores de costas, das insónias, dos receios do parto. Confessou que se achava feio, que parecia um balão. Disse, como quem pede para ouvir o contrário, que Maria Odete o devia achar um monstro assim, sem tomar banho, sujo de gelado, mal penteado.
Maria Odete não negou nem confirmou, limitou-se a emitir um humm que se queria reconfortante, fazia-o de forma maquinal enquanto pensava em Igor, o novo responsável de informática da empresa que a havia convidado para beber café. Belas tardes podiam estar ali.
Abanou a cabeça para afastar o pensamento, que ideia idiota, estar a pensar noutro homem quando o seu marido estava ali, com o seu filho no ventre, a pedir atenção.
Ofereceu-se para lhe preparar um banho com sais, cheiro a baunilha. Mesmo como Joaquim gostava.
Deixou Joaquim na banheira, com água morna, a relaxar. Abriu uma garrafa de vinho e encheu um copo de pé alto. Recostou-se na maquina de lavar loiça a pensar na vida e no que ainda estaria para vir depois de o bebé nascer se agora já era assim.