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Exercício de escrita

Lambadora oscariana

28.03.22

Se vou ser totalmente honesta nunca dei grande importância aos Oscars, da mesma forma que nunca dei grande importância a prémios seja de que estirpe for. É certo que é uma forma de reconhecimento pelo trabalho feito, mas o mais importante aquelas pessoas já têm: fazem o que gostam e são estupidamente bem pagas por isso.

Podem dizer-me: ah, mas alguns tiveram de fazer sacrifícios tremendos. Verdade. Mas fizeram-no por opção, não por necessidade. E de mais a mais, sacrifícios todos fazemos e a maioria de nós jamais terá a possibilidade de ter dinheiro na conta para poder parar de trabalhar anos, escolher o que fazemos, ou ter uma mansão com doze quartos e três piscinas.

A cerimónia dos Oscars nada mais é do que uma sala cheia de pessoas com acesso a todos os caprichos e privilégios, pessoas que ganham num filme o que o comum dos mortais não ganhará em cinco vidas (se as tivesse), pessoas que tiveram equipas de dez ou mais profissionais para as vestir, pentear, maquilhar. Um espetáculo de vaidade onde se escolhem as farpelas mais estapafúrdias para dar nas vistas.

No fim, um punhado ganha um bonequinho careca que pode levar para casa para o meter numa vitrine à qual alguém limpará o pó.

Muitas destas pessoas compreendem que foram bafejados pela sorte. Outros acreditam que se tornaram em algo larger than life. E é quando esta segunda hipótese acontece que chegamos a casos como o de ontem. Em que, um apresentador, comediante, leva uma lambadona por fazer o seu trabalho: dizer piadas. As piadas raras vezes agradam a toda a gente, mas são palavras e as palavras combatem-se com palavras. Eu digo o que quero, tu dizes o que queres e assim sucessivamente. Quando palavras são confrontadas com atos, como uma chapada ou um soco, então há algo de muito errado. Porque a violência física é usada para calar. E ninguém tem o direito de calar o outro, muito menos à pancada. O preço da liberdade é, não só mas também, dar liberdade ao outro até de dizer coisas que não gostamos. 

Ainda bem que não fiquei acordada para assistir. Ia deixar-me cheia de azia gastar horas do meu sono para ver gente podre de rica arreliada com piadinhas.

 

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5 comentários

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    Cátia Madeira 28.03.2022

    A Cecilia assume que o comediante sabe da doença da pessoa. Já pensou que este pode não saber e está a fazer uma piada sobre o penteado?
    De todo o modo a questão aqui não é se a piada é boa ou não. Uns acharão que é, outros não. O cerne da questão é que não respondem a palavras com pancada.
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    Cecília 28.03.2022

    Todos do meio sabem da doença em questão (eles conhecem-se todos muito bem). além do mais, o Chris Brown fez um documentário sobre o quão importante é o cabelo para as mulheres negras (é uma questão cultural, mesmo) e portanto logo a seguir fazer piada com uma mulher negra que fica careca por doença, foi duplamente intencional e de mau gosto (e todos ali também o sabiam).
    graça foi o que ele fez imediatamente antes com o Javier Bardem e a Penelope Cruz. depois, foi só falta de capacidade mesmo. o próprio humorista percebeu que a sala esfriou com a falta de classe e de piada da graça que tinha acabado de dizer e o Will Smith acabou com o resto do verniz. Apoio? Não. Condeno? Tampouco. Acho até refrescante haver alguém que parta o verniz de quando em vez e não ficar preso no "assume" "presume" "alegadamente"... até questiono ... se a bofetada não tivesse sido em direto...se o verniz não tivesse estalado em frente da suposta nata cinéfila, provavelmente nem se estaria a falar da bofetada...

    mais uma vez, volto a dizer: não sou a favor de violência - seja ela física ou verbal. e este é que é o cerne: violência (seja ela qual for).
    mas hoje em dia parece-me que se lida bem demais com a violência verbal (desculpando-a com a ignorância, o humor, a diferença cultural, etc.,.) e isso é que me preocupa deveras.



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    Cátia Madeira 28.03.2022

    Uma piada não é crime. Agressão é crime. A linha fica traçada aqui.
    Para além disso não vi nenhum questinário feito a todos os presentes e eu não assumo que sei o que os outros sabem. A mim nenhuma daquelas pessoas disse que sabia.
    Ter feito um documentário sobre cabelo, que aliás, é sobre valorizar o cabelo da mulher negra (fê-lo por causa das filhas) não faz com que se saiba da condição de saude de outra pessoa.

    Mas de mais a mais a questão aqui é só uma: se queremos liberdade temos de saber entende-la, e liberdade implica saber que a liberdade dos outros pode resultra em ouvir coisas que não gostamos. Que seria da vida se andarmos todos em bicos de pés com as sensibilidades de todos. Não faziamos mais nada da vida.
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    Anónimo 28.03.2022

    Amiga,
    Não vou iniciar nenhuma discussão sobre o assunto porque já percebi que de liberdade você não percebe...
    Só lhe queria diz que "aquilo" não foi um estalo..., foi uma piada seca!!!!
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