Lamechices da vidinha
O pediatra diz: olhe que a habitua mal. E eu penso: mas ela ainda agora é assim e eu já tenho saudades do tempo em que ela é assim. Porque nos dizem: aproveita que passa depressa. Mas o sono é muito, a desorientação não ajuda e quando damos conta o tempo passou e pensamos: para onde raio foi o tempo em que eras um bebé frágil ao meu colo? Em que eu era a rocha mais forte, o conforto supremo?
Os velhos do Restelo dizem: depois nunca fica na cama e a culpa é tua. Deixa ser. Já tenho tanta culpa, arco de bom grado com mais essa. É que assim, apesar das dores nas costas, do ardor que me consome o lombo, apesar dos braços doridos, no peito e na cabeça fica o cheiro, fica o toque, fica a pele mais suave do universo. Fica nela, quero acreditar, algo inconsciente que a liga a mim e à segurança do meu toque. A mim, mulher fraca, insignificante, medrosa, sombra de gente, que cresce dez vezes o seu tamanho para ser um escudo para ela. As mães são assim, descobri há sete anos, crescem para lá do seu tamanho, ganham forças que não sabiam ter e depois ficam chatas quando eles já não precisam de andar pela mão.
É que os filhos não percebem que chegam e nos ocupam o peito quase todo. Deixam migalhas para tudo o que demais há. Ficam com as mãos que passam a estar sempre ocupadas para levar entrelaçada a sua relíquia. Mas as relíquias crescem, ganham uma vida que é só delas e as mães ficam com as mãos só para elas e têm de reaprender a existir levando consigo os cheiros e as memórias.
Acho que é por isso que as mães parecem egoístas e quando vêem outras com os bebés recém-nascidos ao colo insistem em contar como era o seu, os seus. É que nesse breve momento em que contam o passado, os filhos voltam ao seu colo, de mãozinhas desajeitadas debaixo do queixo, a sorrir de quando em vez na mais plena e simples felicidade.
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