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Exercício de escrita

Livro "Filho da mãe", de Hugo Gonçalves

06.10.21

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Quando tinha 8 anos o autor soube que a mãe tinha morrido. Disseram-lhe: Sabes que a tua mãe estava a sofrer, não sabes? Ela agora já não está a sofrer mais. E ele soube que a voz mais doce de sempre não voltaria a ser ouvida.

Quando eu tinha 8 anos a minha mãe recebeu um envelope fechado. Não abra, é só para o médico ver, disseram-lhe. No dia em que o médico lhe explicou o que lá estava, caminhou a rua que liga Almada ao Pragal de mão dada comigo. Quatro filhos. Uma tão pequena, ainda por criar. A única miúda no meio dos rapazes.
Tenho consciência de que não me lembro deste episódio como se ele fizesse parte de uma memória nítida da minha cabeça, é mais uma recordação construída à força das palavras contadas pela minha mãe que, sempre que a coisa má voltava em força, relatava a uma amiga o dia em que caminhara aquela rua com a filha pequena pela mão. A filha pequena que estava na mesma sala, a ouvir a conversa, a engolir o mesmo medo. O medo de se tornar uma filha sem mãe.

Quatro anos depois de operações, quimioterapias e radioterapias. Depois de salas de espera onde crianças mais pequenas que eu passavam por mim com um veredito implacável. Depois da esperança e das pequenas derrotas que se superavam a custo, a notícia final. O telegrama do hospital. As palavras que o meu pai não disse, caminhando de um lado para o outro, perdido no corredor de casa, com um pedaço de papel na mão. Lamentamos informar que Sra. Maria José faleceu durante a noite.

Quando se perde uma mãe e se precisa ainda tanto dela há um vazio que nos acompanha. Um eco que não sabemos explicar. Uma falta que não se colmada, que se evita, para a qual não olhamos com medo de ver o que está lá dentro. O nada.

Ao ler este livro revisitei muitos momentos do meu passado. Voltei a pedaços escondidos da minha infância. Pedaços de que falo pouco, porque não é fácil encontrar quem compreenda. É preciso ter estado numa guerra igual.

Li palavras como aquelas que me foram ditas, porque dizer cancro parecia proíbido.

Obrigada Hugo Gonçalves por este livro maravilhoso. Por colocar em palavras coisas que trago comigo.

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