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Exercício de escrita

Madalena - parte 2

Será que ele liga...

21.06.21

(Primeira parte aqui)

Queria aquele fim romântico.

Mas nada.

Passei o resto do dia a “ver as horas” no telemóvel, mesmo quando tenho relógio na parede da cozinha. Qualquer som que viesse do 

elemóvel me fazia saltar para o apanhar e ver se tinha chegado finalmente a mensagem desejada. Um desgosto a cada som. Percebi nesse final de dia que tenho demasiadas coisas subscritas, que dou o meu contacto para tudo e mais um par de botas. Notificações de jornais, de sites que não me lembro de ter consultado, mensagens de desconto do supermercado, da perfumaria, da farmácia e até de uma loja de cremes online onde comprei um produto que detestei e nunca mais encomendei nada.

Jantei distraída e não sei dizer se os miúdos comeram toda a refeição. Tenho a ideia que os deixei pousar os talheres sem lhes olhar para o prato e os deixei ir buscar um gelado ao congelador.

Depois de deitar os miúdos fui tomar um banho. Fiquei demasiado tempo debaixo do chuveiro. Fechei os olhos e imaginei que depois do tal jantar o convidava a vir cá a casa porque era um fim de semana em que estava com a casa só 

para mim. Imaginei que de manhã, depois de termos passado a noite juntos, depois de lhe ter pedido de apagássemos a luz, depois de acordar e sentir a vergonha de uma menina inexperiente; que ia tomar um banho sem conseguir tirar o sorriso do rosto. Imaginei que ele abria a porta da casa de banho sem eu dar conta, que se aproximava da banheira e eu me surpreendia com ele a olhar para mim sem saber há quanto tempo lá estaria. Imaginei que pedia para entrar e eu, consciente do meu corpo, me tentava tapar. Imaginei que me dizia coisas bonitas, que eu era linda de qualquer forma, que me pedia para não me esconder.

Entretanto a porta da casa de banho abriu-se.

- Ainda estás a tomar banho, mãe? – era o mais novo, andava à minha procura.

- Sim, estou quase a sair. Precisas de alguma coisa? Pensava que já estavas a dormir.

Disse-me que acordou com um daqueles sonhos em que achava 

que ia cair e depois sentiu muita vontade de fazer chichi. Com o som do meu filho mais novo a urinar ao meu lado a imaginação esmoreceu, quis que se despachasse, quis sair da banheira, enfiar-me no pijama velho, coçado e infantil e ir para a minha cama.

O pequeno voltou a deitar-se e eu fui para o meu quarto. Não conseguia ler, não me apetecia ver televisão.

Peguei no telemóvel e fui à internet. Entrei no Facebook e procurei por ele. Tinha tentado resistir a comportar-me como uma mulher deprimente que anda a pesquisar a vida de outras pessoas nas redes sociais. Mas não consegui. Era mais forte que eu. Encontrei-o. Tentei bisbilhotar o que era possível da conta que estava como privada. Nem os amigos conseguia consultar. Não percebia se era casado, se tinha filhos. Tinha uma fotografia tirada a jogar golf e mais nada.

Fiquei tentada a enviar um pedido de amizade. Pensei que poderia dar esse passo. Mas o receio de que fosse casado, de 

que tivesse uma família feliz, com dois ou três filhos e uma mulher glamorosa fez-me sentir ainda mais patética. A tipa que anda atrás de uma paixoneta antiga. Achei-me degradante. Desliguei o telemóvel.

Abri a gaveta da mesa de cabeceira e tirei de lá um maço de tabaco. Não se pode dizer que sou fumadora, mas nos dias em que a pressão aperta e o sono custa a chegar, encosto-me à janela do quarto e fumo um cigarro. Sinto um verdadeiro prazer nisso. Penso nas minhas escolhas e em como dei comigo ali, num quarto onde só tenho a minha companhia, numa casa precariamente arrumada, com dois miúdos que amo acima de tudo, mas que juntos formam um tornado que deixa a minha vida de pantanas.

Nos dias que se seguiram dei comigo, na pausa para um café, a voltar ao Facebook dele. Sentia que me comportava de forma obsessiva, mas não conseguia evitar.

O fim de semana chegou e os miúdos foram para o pai. Eu, que 

habitualmente ficava a cirandar por casa, sem me pentear ou vestir roupa decente, decidi ir à praia. Depilei-me com mais atenção, pus perfume, vesti um biquíni com a parte de baixo subida. Vi-me ao espelho de todos os ângulos, deitei-me no chão para ter perceção da minha figura deitada na toalha.

Fiz o mesmo percurso nos dois dias, sábado e domingo. Procurava à minha volta tentando dar a impressão de que não estava a ver se encontrava alguém. Um esforço muito mal desempenhado. Sempre fui uma péssima atriz. Estendi a toalha e fiz-me interessada num livro, mas não li mais de duas páginas com atenção. Lia um parágrafo e olhava para o mar, lia outro e olhava para o bar.

No sábado voltei para casa cabisbaixa. Passei pelo supermercado e comprei uma torta. Comi metade de uma assentada. Até ficar enjoada.

No domingo, depois de duas horas de toalha e a sentir que acabaria por desmaiar com uma quebra de tensão, decidi ir ao 

mar. Tentei fazer o mesmo percurso do fim de semana anterior.

Quando estava de saída passei pelo bar para comprar água fresca, reclamando comigo entredentes, sabendo que ia pagar uma exorbitância por uma garrafa de água que poderia comprar por meia dúzia de cêntimos no supermercado.

Estava na fila quando ouvi:

- Outra vez? Que coincidência.

Voltei-me e, sem mais, pus-lhe a mão no ombro e cumprimentei-o com dois beijos no rosto. A pele dele sabia-me tão bem como há quase vinte anos.

Percebi que se espantou com a espontaneidade daquele gesto. Percebi que ele deu conta que, até eu, fiquei surpresa com o meu à vontade.

- É verdade, é a minha praia de eleição. Tem sempre menos confusão. Comecei a vir para cá com os miúdos e agora venho na mesma quando não estão comigo. 

Levei a mão à barriga, tinha o pareo atado à volta da cintura, estava alto e deixava ver apenas a pele que me fazia uma cintura mais esguia. Refreei-me de ajeitar o soutien, ocorreu-me que as mamas - que agora não são rijas como as das miúdas que se saracoteiam pelo areal, - estariam desajeitadas, uma a querer sair da copa e a outra mais caída. Ambas a mostrar que estavam numa fase em precisavam sempre de suporte.

A fila não andava e eu não sabia mais o que dizer, até que uma mão de unhas bem arranjadas surgiu por detrás dele, passou por baixo do arco que o braço fazia com a mão enfiada no bolso dos calções e perguntou, sedutora, se ainda demorava muito.

Respondeu-lhe que não e aproveitou para apresentar uma antiga colega de faculdade.

Tive vontade de lhe dar um pontapé, de lhe pregar um chuto no meio das pernas, de o ver a ganir como um rafeiro, encostado 

a uma daquelas cadeiras, com as mãos entre as pernas a perguntar: para que raio foi isso?

Uma antiga colega.

Cumprimentei a esposa, espreitei por cima do ombro dela para a mesa onde estavam dois miúdos de cabelos claros à espera dos gelados que o pai tinha ido buscar.

A fila começou a andar surpreendentemente depressa depois disso. Paguei a minha água e fui-me embora, embaraçada, não por alguma coisa que tivesse dito, mas por ter passado uma semana em pensamentos adolescentes. Por ter ido ali, como uma mulher desesperada ou uma miúda imatura, à espera de encontrar quem não me procurou.

Cheguei a casa, larguei as tralhas logo à entrada sabendo que nas próximas horas ninguém tropeçaria nelas.

Entrei na cozinha, olhei para o resto da torta que ainda estava em cima da mesa. Deitei-a fora.

Vesti uma roupa velha de desporto que tinha lá para casa, calcei os ténis coçados que usava para ir despejar o livro ou dar um salto ao supermercado.

Fui correr.

Corri seiscentos metros e prometi que no dia seguinte repetiria.