O que é “envelhecer bem”?
E já agora o que é “saber envelhecer”? Porque, parecendo uma mesma coisa, não é bem.
Será aceitar que a cor dos cabelos vai sendo trocada pelo branco? Será o carro descapotável ou o salto de paraquedas depois dos cinquenta? Será a mentalidade de quem não se entrega ao número que o documento de identificação dita e avalia por si próprio o que está ou não capaz de fazer? Será a roupa que escolho? Será a ideia de que há coisas que já não são “para a minha idade”? Será saber apreciar um copo de bom vinho ao jantar? Preferir um jantar caseiro com amigos a uma noite de discoteca?
Lembro-me da minha avó Maria sentada na cama, umas vezes com a sua saia de fazenda e uma blusa, outras com a sua bata. O cabelo puxado num carrapito de fios finos e grisalhos. Nunca o pintou. Os olhos caídos com o tempo, o mesmos brincos de sempre. Lembro-me dela já com mais de oitenta anos, não a conheci mais nova, mas sei, pelas fotografias, que era assim há mais de vinte anos.
Quando penso na minha avó ocorre-me que: se chegar àquela idade não quero estar assim.
Era outro tempo, as meninas deixavam de ser moças para ser senhoras quando casavam, envelheciam anos depois do primeiro filho porque passavam a ser mães e quando chegavam aos quarenta era como se fossem senhoras de idade. A roupa ditava a conduta que ditava o dar-se ao respeito.
Hoje a rainha da pop faz 64 anos, veste-se e comporta-se de forma jovial, tem a pele do rosto mais lisa que a superfície dos meus armários de cozinha. Ainda assim, ao olhar para a fotografia mais recente do seu Instagram, ocorre-me: se chegar àquela idade não quero estar assim.
São exemplos de espectros opostos, o primeiro dita uma entrega completa a uma construção social antiquada, em que o número calculado em função da data de nascimento define o que pode ou não ser feito, vestido, ousado. O segundo luta contra o tempo tentando criar a perceção de que ele não passa e que, quiçá, até consegue regredir.
Nenhuma das abordagens me parece saudável e não quero nenhuma para mim. Não me vejo sentada à lareira de mantinha nas pernas envolta em queixumes de reumático, nem me vejo em clínicas num processo de estica-estica e puxa-puxa e ajeita-ajeita para parecer que sou mais nova do que os meus filhos.
Saber envelhecer, para mim – e cada um terá a sua forma de o encarar -, passa por aceitar que o tempo passa, que o corpo vai perdendo capacidades, que a biologia é incontornável e que tudo o que é novo, ou morre ou chega a velho, mais gasto, marcado em cada ruga pela sapiência que se espera de um ancião.
Envelhecer bem, para mim - e cada um terá a sua forma de o encarar -, passa por não me entregar ao número que a certidão de nascimento indica, por manter-me nova, mais por dentro do que por fora, é saber avaliar o que ainda sou capaz sem que me prenda a um número para dizer “já não tenho idade para isso”. Quem definiu afinal até que idade se faz o quê? Envelhecer bem é cuidar de mim, para manter o corpo a andar, aceitando que a imagem que vejo ao espelho levanta os punhos todas as manhãs para uma luta inglória com a gravidade. É saber que cada ruga é um sinal de que sei mais do que soube ontem. É aceitar que os cabelos ficam brancos, que os posso pintar ou que os posso deixar ao vento.
Envelhecer bem é, para mim, um misto de saúde mental e física, onde sei a quantas ando, aceito o tempo que passou e valorizo o que aprendi com os dias contados. É saber manter a cabeça disponível para aprender, sem amarras às construções sociais do que espera para uma determinada idade, é aceitar que o tempo passa sem medo de que se reflita na minha imagem, que pode ser cuidada, sem ser distorcida.
Saber envelhecer está muito mais naquilo que acontece dentro da minha cabeça do que naquilo que a pele do meu rosto diz.
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