Seis
Ter filhos é, tantas vezes, deixar para depois o que queríamos fazer hoje. É repensar planos. É organizar a vida em função deles. Mesmo quando os planos não os incluem envolvem sempre a logística dos filhos, quem fica com eles, a chamada para saber se estão bem, o telemóvel perto para qualquer urgência, a estranheza inicial do silêncio imposto pela sua ausência.
É desejar que aquele dia em que vão dormir aos avós chegue depressa, porque o cansaço é muito e a necessidade de silêncio é tanta, mas depois, quando a casa só tem os barulhos inusitados que parecem sair das paredes, reina um sentimento de falta como se alguma coisa estivesse esquecida. Abre-se uma garrafa de vinho, prepara-se o comer (aquelas iguarias que não se fazem quando eles estão em casa porque isto e aquilo tem este e aquele aspecto e sabe invariavelmentea a cáca), liga-se a televisão, o que de lá sai ocupa o pensamento e os filhos só voltam ao caminhar para a cama, quando não há quem precise de comandos para lavar os dentes.
Podia continuar, para aqueles dias em que até se organiza um jantar especial, só com os crescidos, finalmente sem os: come a sopa, deixa a tua irmã, apaga a luz do quarto da casa de banho da sala da cozinha, desliga o tablet, vem para a mesa, já te chamei dez vezes. Esses dias, mais raros do que deviam ser, em que, enquanto se comem as entradas e se espera pelo menu, se fala dos filhos quando se orquestrou toda uma logística para se estar meia dúzia de horas sem eles.