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Exercício de escrita

Ela está linda e maravilhosa...

,e nós, também vamos estando...

26.07.22

O ano passado, por esta altura, publiquei um texto que começava com a seguinte frase: a Jennifer Lopez não aspira a casa. O texto não era sobre a diva e aquilo que ela tem. O texto era – e é – sobre nós, comuns mortais, que nos deixamos impressionar sem ter em consideração as condições e contexto de cada um. Escrevi esse texto depois de ver passar dezenas de partilhas da fotografia de aniversário da estrela. Uma fotografia maravilhosa, sem dúvida, onde está arrebatadora, sem questão. Mas uma fotografia trabalhada, não só por mecanismos digitais, mas em resultado de uma produção fotográfica que não está ao alcance de qualquer pessoa. Uma sessão produzida para celebrar o seu aniversário e o posterior lançamento da sua linha de cremes de rosto (que custam os olhos da cara e o do…). O corpo que vemos nestas fotos não resulta só de #nopainnogain e #foco. Resulta de: muito trabalho de ginásio, técnicos especializados, roupas ajustadas, cremes, alimentação cuidada e cozinhada por profissionais, e de uma pessoa que precisa da sua imagem para manter a sua marca. Não há nada de errado nisso. É para mim, apenas algo evidente.

O texto que escrevi foi compreendido e bem aceite por muitos. E os que o receberam mal não foram propriamente agradáveis.

Não o escrevi – como me chegaram a dizer – por achar que admirar umas rebaixa as outras. Escrevi porque também eu, enquanto mulher com tantas inseguranças em relação ao meu corpo, preciso de me lembrar que a minha vida e o meu contexto são diferente daquele. Eu não preciso da minha imagem para nada que não seja apenas satisfação pessoal. Não faço filmes, videoclips, concertos, não tenho uma linha de cremes de rosto e outra de corpo para vender a quem quer ficar com uma pele igual à minha.

O corpo de cada pessoa é diferente e esse diferente não depende só da vontade e da garra. Depende da genética, do histórico de exercício, das características individuais, do contexto de vida, das limitações físicas que têm ou ganham com o tempo, do tempo que têm para dedicar ao tão em voga self care, daquilo a que a carteira chega.

Se fico impressionada que – este ano novamente – aos 53 aquele mulherão tenha o corpaço que apresenta. Fico. Porque está ali trabalho e dedicação. E porque eu, se pudesse, bem que estava melhor agora à beira da piscina dela do que aqui a tentar acalmar os afrontamentos com uma ventoinha da EletricO. Se fico mais impressionada com ela do que com a minha vizinha que todos os dias de manhã corre 10 km, faça chuva ou faça sol, e depois se veste para um dia de trabalho e sem horas para jantar? Não. Impressiona-me muito mais a minha vizinha, até porque corre ao nascer do dia, à beira da estrada, e receio que qualquer dia leve uma panada de um carro conduzido por um gajo que estava a mandar um whatsapp para o emprego a dizer que ia chegar atrasado.

Dito isto, papo os filmes, ouço as músicas, mas não lhe compro os cremes, porque se o fizer fico sem tostão para dar de comer às crianças e duvido que estas ventas ficassem muito melhores do que estão agora.

Parabéns à JéLó – já lhe vou mandar uma mensagem, ela deve estar desejosa de receber notícias minhas.

E que não nos esqueçamos, ela está linda e maravilhosa, e nós, também vamos estando, de acordo com o nosso contexto, na nossa vida costumeira, que se deve passar fora do ecrã, que é onde as coisas valem a pena, mas também abanam, nem sempre têm a luz certa e não permitem filtros nem retoques.

 

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É preciso haver vida para além da guerra.

02.03.22

Parece-me imperativo que assim seja.

Os últimos dias têm sido avassaladores, é inquestionável.

Gente inocente a perder tudo às mãos de um fanático.

Coloca a vida em perspetiva. Faz pensar: e se fosse eu. Meu Deus, se fosse o meu filho agarrado à minha mão. O desespero por um comboio, por atravessar uma fronteira. Se fosse o meu irmão, marido, sobrinho, com uma arma na mão para combater.

Mas a vida tem de seguir. Todos os outros temas que revestem os nossos dias continuam aqui, não ficaram congelados no tempo. Por mais fúteis que possam parecer por comparação. Não é preciso respirar guerra a tempo inteiro para se ser solidário, para se estar interessado, para se querer fazer parte da solução.

E depois, para além da nossa vida comezinha, que nos parece de repente quase privilegiada, é preciso desanuviar.

É preciso fazer rir. É preciso rir. Encontrar do que rir no meio da desgraça é muitas vezes a fonte de alento para continuar. Porque quando ainda nos rimos da vida e até do mal que ela nos faz, nesse instante estamos a levantar os punhos, a dizer que estamos cá para mais uma ronda.

Rir é muito mais do que rir. É viver, por breves instantes, para além do que nos atormenta, do que nos assusta, das sombras e dos monstros.

Rir acalenta esperança.

Já chorei muito com o que está a acontecer. Já me senti para lá de impotente. Mas já me ri tanto com pequenas coisas e com atos de coragem verdadeiramente gangsters. Já me ri tanto com os dois georgianos que se recusaram a abastecer o navio russo e os mandaram ir a remos. Aquilo é malta de Corroios em esteroides. O que já me ri com o mapa português que reclama a Rússia como nossa de acordo com o tratado de Tordesilhas. O que já me ri com o peso dos tomates dos ucranianos. O que já me ri com a @misscaco e a potencial parceria entre o Zelensky e a Prozis. O que já me ri com o ucraniano que levava uma mina de um lado para o outro enquanto tinha o seu Marlboro no canto da boca.

Gente como o Putin não merece o poder de nos deixar atolados em medo. Reféns do que pode ou não fazer-nos rir. Quando nos rimos destas pequenas coisas, ele ganha um pouco menos.

Ou pelo menos eu acho.

 

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A vida e os apontamentos sobre ela

#3

29.12.21

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Gosto de agendas.

Gosto de agendas porque me deixa alegre a ideia de que vou poder organizar a minha vida com cores garridas, como se pudesse arrumar tudo no sítio certo sem o frequente olvidar de aniversários, consultas ou a lista de três itens que saí para comprar mas só trouxe um porque entretanto me distraí no corredor das bolachas e dos chocolates.

Gosto de agendas porque gosto de papéis e cadernos e blocos de notas e canetas e agrafos e clips. Gosto de economato.

Gosto de terminar o ano com a agenda nova pronta, com as primeiras anotações e aquilo que tenho de fazer em janeiro, só que depois há dias que ficam em branco e isso aflige-me. Sinto que devia estar toda escrita, mas preencher o comum, o corriqueiro, as tarefas costumeiras do dia a dia parece-me uma coisa sem jeito nenhum. Não vou apontar que tenho de fazer o jantar ou de lavar a loiça ou de passar a roupa. Isso trata-se não em dias específicos, mas quando faz falta. Não tenho consultas ou reuniões na escola todas as semanas (graças aos santos, todos que eu não faço diferenças). Não tenho compromissos pessoais que mereçam registo todos os dias. E as obrigações profissionais ficam no Outlook do trabalho, para me entrarem olhos adentro com pop-ups. Então ponho-me a olhar para a agenda e impaciento-me com aquelas linhas todas por preencher, como se naquele dia a vida fosse vazia. A única coisa a registar é: mais-do-mesmo. Uma pessoa nunca sabe quando é que dá a bufa mestre e depois gasta assim dias, como se não servissem para nada, é mal empregue.

Então decidi começar a fazer um apontamento diário. A agenda vai com o livro para a mesa de cabeceira ao deitar. Uma caneta e anoto ali mais dúzia de palavras. Podem ser só adjetivos ou palavras soltas. Frases curtas. Tiradas e gracinhas do pequeno. Um retrato conciso do que me ficou cá na cabeça.

Assim a agenda fica a valer mais a pena, ajuda-me com as responsabilidades do futuro e ainda me guarda as notas do passado, para eu consultar no final do ano e relembrar o que raio fiz àqueles trezentos e tal dias.

 

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A vida e os apontamentos sobre ela

#2

27.12.21

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A minha tia vivia no andar imediatamente por cima do nosso. Nós no segundo, ela no terceiro. Onde era a nossa sala era o quarto da minha tia. Onde era o quarto dos meus irmãos era a sala da minha tia. Um dia, não me recordo a que propósito, fui lá a casa. A minha prima andava às voltas com uma máquina de escrever que tinham dado à minha tia. Eu sentei-me a olhar para ela a fazer de empregada de escritório. Tac-tac-tac-tac-rrrrac, muda de linha. Há qualquer coisa de especial no bater das teclas de uma máquina de escrever, no empurrar da folha para começar uma nova linha.

A minha prima cansou-se e foi fazer outra coisa qualquer. Se quiseres podes experimentar, disse-me. E eu ocupei-lhe o lugar, de joelhos no chão ao lado da portada que dava para a varanda. Estava um dia soalheiro e tudo aquilo me pareceu perfeito. O calor mesmo na medida certa, a iluminação que passava pelos cortinados rendados e chegava à folha. Tive medo de carregar nas teclas, de estragar a folha, de escrever alguma coisa que alguém, depois de ler, achasse ridículo e se risse de mim. Guardei na minha cabeça as palavras que gostava de escrever e fiquei ali, a fazer festas à máquina, pensando que um dia talvez viesse a ter uma minha, onde iria escrever as histórias que quisesse, porque depois guardaria as folhas bem escondidas e estaria a salvo da humilhação causada pela opinião dos outros.

Este dia foi há qualquer coisa como trinta anos. Se fechar os olhos ainda me lembro perfeitamente de como me senti ali. Em paz como em poucos sítios.

Hoje o ridículo não me assusta. Não me apoquenta o que pensam de mim. Talvez tenha sido por isso que fui perdendo o medo de partilhar o que escrevo.

Só ainda não tenho uma máquina de escrever, mas um dia destes ainda compro uma, nem que seja para me sentar em frente a ela nos dias em que a vontade me foge ou que as palavras parecem não se conjugar da forma que as gosto de ver.

 

 

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Apontamentos natalícios

21.12.21

O Natal está à porta e eu não tenho vontade para comemorações.

Não apetece acender as luzes da árvore e só o faço porque sinto que devo essa magia ao meu filho.

Cansa-me pensar em prendas. Já nunca penso muito. Quando calha, vinho e chocolates para os adultos. Para as crianças brinquedos. Para aqueles que ainda não têm filhos, mas já mandam no nariz que chegue para que não me arme aos cágados a comprar o que não sei se gostam, são corridos a envelopes com dinheiro.

Detesto prendas por obrigação e as do natal sabem-me sempre a isso. Menos as das crianças, essas são um regalo todo o ano.

Não tenho fome de bacalhau, nem de couves, nem de bolo rei, rainha, príncipe, visconde ou outro qualquer título dessa estirpe.

Sinto-me murcha e o que me rodeia como que numa onda de letargia com cobertura de alegria forçada, porque o natal é amor e harmonia e eu-meto-esta-felicidade-goela-abaixo-nem-que-seja-a-última-coisa-que-eu-faço.

A chuva só piora as coisas, deixa tudo mais cinzento. Os gritos no trânsito. Um quase desespero por chegar primeiro que os outros como se os compromissos de uns valessem mais que os dos restantes. As filas intermináveis. O centro comercial atestado de gente onde quase se podem ler os balõezinhos em cima da cabeças: vou comprar para me sentir feliz.

Porque o dinheiro não traz felicidade, mas embrulha e deixa levar num saco bonito de marca cara. E a pessoa sente-se melhor por momentos, eu sei disso, também já trouxe uns e enquanto estavam na mão parecia que trazia ali alegria pendurada.

E nem vamos falar das mensagens para impingir perfumes em promoção.

 

O Natal está à porta, sinto que estou em câmera lenta quando tudo circula a mil à minha volta e eu não consigo acompanhar. Não consigo agarrar o espírito espevitado de natal. Nem aquelas cantilenas de cassete gasta me deixam mais nostálgica. Soa-me a barulho de fundo.

São muitas coisas que não se alinham. Os natais encantados de um lado. Os solitários do outro, com quem não tem ninguém e os que até têm, mas ganharam senha para ficar em casa. Cumprimentos do bicho.

Se calhar sou eu que penso demais nas coisas. Devia sair da minha cabeça e entrar no shopping, é capaz de se estar lá melhor.