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Exercício de escrita

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01.02.23

O desatino começa com a pergunta: mãe, podes tirar o papel do chupa?

E a minha mente entra em modo Rambo. Transformo-me no Bruce Lee das guloseimas. Arregaço as mangas e rodo o chupa entre o indicador e o polegar, passo as costas da mão livre pelo nariz e observando-o atentamente, procurando as fragilidades do papel castigador. Quero vencê-lo à primeira. Mas o inimigo é demasiado forte. Não demonstra fraquezas e mantem-se firme, agarrado ao sabor a morango e nata.

Que mil courgettes enrabem o criador sem dó nem piedade.

Não sei se já tentaram abrir um Chupa-Chups, mas aquilo é uma gulodice para as crianças e um desafio intelecto-sensorial para os pais. Jamais as mãos de uma criança conseguirão rodar aquele pedaço de papel que está embebido em supercola 3, cobrindo a bolinha de açúcar tão desejada. A criança, ávida pelo doce, pede ao progenitor que retire o capacete à lambarice, e o progenitor, querendo mostrar-se o mais forte da selva urbana, mostra-se confiante, ainda que saiba, por dentro, que aquele filho da puta daquele papel lhe vai dar cabo das unhas e consumir os nervos.

Como é que é possível que esta mer….a mãe dá já filho, está quase-quase.

E sorri. Sorri, mas sabe que está a perder.

Em desespero leva o chupa à boca. Tenta, num malabarismo de caninos e língua, arrebanhar a pequena prega do papel para a tricar e fazer o primeiro rasgo. Sim. Consegue. Mas ainda falta muito para passar a trincheira. Fica com pedaços minúsculos de papel na boca e cospe para o ar. Faz aquele cuspir de quem esteve a lamber onde não devia e ficou com pelos na ponta da língua. Cospe e cospe. Na reta final, capaz de esfrangalhar o chupa à martelada, arrebanha um pedaço maior e rasga o papel. Está próximo da vitória, agora só falta fazer a parte enroscada sair pelo pauzinho do chupa.

Chama a criança e diz: já está filhote, leva lá o teu chupa. Di-lo forçando uma voz serena que mente e, infrutiferamente, tenta abafar a respiração ofegante.

Pior do que isto, só mesmo a noite de natal, quando a pessoa, depois de olhar com atenção para a caixa, lê a frase em rodapé que diz: pilhas não incluídas.