Vinte e oito
Era lenta a correr, nunca ganhava a jogar à apanhada. Jogava mal à bola, tropeçava nos meus próprios pés e perdia a esfera em menos de nada. Era uma imbecil a jogar ao mata, porque uma pessoa meter-se a jeito para sofrer com uma bolada era coisa de parvos. Esfolava os joelhos a saltar ao elástico e chegava a casa a parecer que tinha descido com eles uma ribanceira. Era baixa para o basquete. Era gorda. Tinha cabelo encaracolado numa altura em que ninguém queria ter tal ninho de pássaros em cima da cabeça.
Passava as tardes a ver a pequena sereia, o cocktail, o dirty dancing e o Alice no país das maravilhas. Lia os mesmos livros vezes sem conta, inventava histórias sozinha e fazia peças de teatro só com uma atriz e um público sempre atento de três bonecos. Olhava para a praceta vazia e tinha pena de não ter nascido no lugar do meu irmão mais velho, porque no tempo dele a praceta era um parque cheio de crianças em vez de carros.
Na escola aprendi depressa que me safava melhor a fazer de Esteves (Herman) do que a jogar ao beijo ou estalo. Qd chegou a adolescência e os cadernos com as capas riscadas, com desenhos e dedicatórias das amigas, aprendi que tinha jeito para fazer as outras rir com as palavras. Escrevia para uma textos estapafúrdios misturando graças, palavras inusitavas e acontecimentos dos quais elas já nem se lembravam. Tens de me fazer uma também, diziam-me quando acabavam de rir da que tinha acabado de escrever. Sentia-me especial, sempre havia alguma coisa que fazia mais ou menos bem. Eu, quando estava para aí virada, escrevia.
Nessa altura nem me passava pela cabeça escrever mais do que aquelas baboseiras, até porque tinha escrito uma história, anos antes, num caderno de capa preta, e a Vânia (única leitora) tinha só dito que estava fixe com um encolher de ombros. Miséria. Tinha eu andado a ler um livro do meu irmão às escondidas para saber como é que se escrevia um livro de adultos, para uma crítica daquelas.
Mas a história dessa história fica para outras núpcias, que isto aqui no Instagram* tem caracteres contados e eu se calhar ainda faço disto uma espécie de crónica para a newsletter.
*estes textos são originalmente escritos para publicação nesta rede social