Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Exercício de escrita

54

24.02.23

Criei a minha própria versão do Flowers da Miley Cyrus. Chama-se: Cakes. A minha versão está melhor, porque alimenta. Quem disser o contrário leva com uma wrecking ball nas ventas.

Estávamos porreiros, estávamos cremosos
O tipo de refogado que cheira do hall de entrada
Estávamos bem temperados até ficar salgados
Untámos a forma e polvilhámos com farinha

Hummm, eu não queria comer tudo
Eu não queria malhar tudo
Comecei a ficar com gases e depois lembrei-me que

I can buy myself bolos
Esfregate my focinho em creme de ovos
Eat sozinha a ver parolos
Misturar ingredientes que tu não entendes
Posso encomendar sozinha na UberEats
E posso pôr a mesa só para mim
Ya, eu consigo alimentar-me melhor do que tu

Consigo alimentar-me
Consigo alimentar-me, mitra
Consigo alimentar-me
Consigo alimentar-me, mitra

Pus dois toppings de caramelo no meu Sunday
Fiz molho pesto para o esparguete que deixaste no frigorifico
Não me enfartei, nem fiquei enjoada
Desculpo-te por teres deixado a massa demasiado cozida

I can buy myself bolos
Esfregate my focinho em creme de ovos
Eat sozinha a ver parolos
Misturar ingredientes que tu não entendes
Posso encomendar sozinha na UberEats
E posso pôr a mesa só para mim
Ya, eu consigo alimentar-me melhor do que tu

Consigo alimentar-me
Consigo alimentar-me, mitra
Consigo alimentar-me
Consigo alimentar-me, mitra

Eu não queria rapar o tacho
Eu não queria ser mamona
Comecei a ficar com gases e depois lembrei-me que

I can buy myself bolos
I can buy myself bolos
Esfregate my focinho em creme de ovos
Eat sozinha a ver parolos
Misturar ingredientes que tu não entendes
Posso encomendar sozinha na UberEats
E posso pôr a mesa só para mim
Ya, eu consigo alimentar-me melhor do que tu

53

22.02.23

A sua password vai expirar. Não, não pode ser o nome do seu cão, nem do seu gato, nem mesmo do seu periquito + asterisco.

Essa password é fraca. Essa é igual à anterior. Agora não é igual, mas é muito parecida, porque deste lado está um robot, mas o menino não é parvo. Eh Eh. Essa é muito longa. Essa agora é curta demais e não tem caracteres especiais. Muito bem, já tem caracteres, mas não dá porque tem de ter um número e uma letra maiúscula. Boa, finalmente conseguiu, agora lembre-se de mudar a sua password com frequência para evitar que os mau maus lhe lixem a vida. Adeuzinho e até ao próximo esfrangalhamento de nervos.

Sou só eu que me passo da bolha sempre que tenho de criar uma password nova? Seja lá para o que for. Quando são passwords do trabalho então, se eu estiver no escritório, o melhor é que nenhum colega da informática esteja a passar naquele momento, porque vai haver violência. Eu nem quero saber se o colega é engenheiro de sistemas e aquilo é segurança IT. Vai haver, pelo menos, gritos. Porque eu acredito que as pessoas da informática conspiram contra mim, com o propósito de me fazer parecer inapta para a vida. Sou uma pessoa que cresceu à base de papel, a ver velhinhos a atualizar a caderneta na Caixa Geral de Depósitos e agora querem que eu saiba o que fazer com esta evolução toda.

Porque que é que eu não posso usar sempre a mesma password? Porque raio não pode ser o nome do meu cão e tem de ser o nome do meu cão com uma letra maiúscula + data de nascimento da minha avó paterna sem barras + asterisco. Nota importante: esta não constitui nenhuma das minhas passwords, até porque não sei a data de nascimento da minha avó. Às vezes mal me lembro da minha.

É pá leiam a retina. Eu ando sempre com os olhos. Enviem-me um código para eu tatuar no chambão que possa ser lido sempre que tento aceder a uma aplicação.

A minha cabeça não decora tudo. É uma password para cada treta: para o computador do trabalho, para o homebanking, para o computador de casa, para o Instagram, para a seguradora, para a segurança social, para as finanças e por aí em diante. Qualquer dia tenho de pôr uma password para o rolo de papel higiénico dispensar oito folhinhas.

51

20.02.23

Como passar de um 42 para um 38 sem exercício ou dieta.

Enquanto é jovem, imprudente e imbecilmente crente num futuro melhor, compre um apartamento num terceiro andar sem elevador.

Suba e desça, suba e desça, suba e desça, suba e desça, suba e desça até à exaustão. Suba e desça para comprar pão, coentros, batatas e a porra dos ovos que parecem ser aquela coisa que uma pessoa se esquece sempre ou que nunca compra em quantidade bastante para a semana (mais valia espetar com uma galinha na varanda, é o que é).

Pare um pouco para consultar o seu saldo e confirme que não tem como mudar-se para uma moradia.

Arranje três cães e duas crianças e depois: suba e desça, suba e desça, suba e desça, suba e desça. Suba e desça com o ovinho, com o carrinho, com a mochila que leva tudo o que o bebé pode precisar caso dê consigo perdida no deserto do Fórum Almada onde não há, de facto, sítio nenhum onde comprar nada. Suba e desça com os 27 sacos de tralha que as crianças precisam para passar duas ou três horas na praia antes ou depois de o sol estar com uma intensidade que é capaz de as fazer derreter. Suba e desça, suba e desça, suba e desça. Suba e desça para passear os cães, para mudar o carro de lugar porque o deixou a 700 metros da porta de casa, para ir buscar o Batman que ficou em cima da mesa da cozinha e sem ele o puto não se vai calar o caminho todo, para ir trabalhar, para comprar as mercearias que faltam. Suba carregada de sacos e sinta que acabou de fazer duas horas de halterofilismo.

Consulte a conta novamente e perceba que, apesar de ser cautelosa com os seus gastos, chegou uma inflação e mais especulação imobiliária e agora precisa de quase meio milhão de euros para comprar uma moradia minúscula na terra de ninguém.

Chore. Chore bastante, porque gasta mais calorias do que rir.

Suba e desça mais um pouco e respire de alívio já que é por não ter uma renda de mais de mil euros que ainda pode comprar tomate cherry para pôr na salada. De outra forma andava a atum com grão (e não seria Bom Petisco de certeza). Suba e desça ainda mais um pouco e pare para jantar enquanto vê as notícias e se regala dando-se por satisfeita por descontar tanto num país como este.

 

Podem acompanhar-me no Instagram aqui.

Podem subscrever a minha newsletter aqui.

48 de 365

17.02.23

A Inês acordou à 1, às 2, às 3, às 4, às 5, às 6 e depois, às 7:20 deu-me uma lambada e disse TÁDÁ, assim como quem está a apresentar uma coisa boa. Eu, baralhada, pensei: quem és tu? quem é que te deixou entrar? Depois voltei a mim e fui acordar o Ricardo-só-mais-5-minutos, aspirar macacos do nariz, limpar fralda, fazer pequeno-almoço e garantir que o Ricardo vestia a roupa certa para o desfile de carnaval da escola. Não me lembro de comer, porque enquanto alguns hidratos de carbono de inseriam na minha goela eu estava a fazer contas a toda a logística que teria de garantir até ao final da manhã. O Nuno foi levar o Ricardo e eu tinha de preparar a Inês para ir para os avós.

Agora importa salientar que os bebés se estão marimbando para as nossas pressas.

Cheguei à casa dos avós e expliquei à minha sogra que tinha mesmo de ir, porque, apesar de estar de férias, ainda tinha de tratar de uma coisa urgente de trabalho. Depois de dizer que compreendia a minha sogra desatou a falar como se eu também estivesse reformada. Eu, totalmente acelerada, pensei: se a cota não se cala vai haver um velhicidio aqui. Já a conseguia ver com uma linha vermelha em baixo a dizer "Alerta CM".

Fui para casa a correr, completei o que precisava e saí a voar para ir ver o desfile. Quando cheguei ofegava como uma criminosa.

Contive o choro quando vi os filhos dos outros e só não chorei quando vi o meu, porque havia tantas crianças que entrei em pânico e temi ser a mãe inapta que não conseguia encontrar o seu descendente. O que vale é que o puto sabe bem o tipo de despistada que o trouxe ao mundo e gritou: mããããããeeee, aqui. Eu era a única pessoa a ir vê-lo este ano e deixar-me-ia de rastos imaginá-lo a olhar à volta sem encontrar a mãe. Fico logo a pensar nos anos de terapia que eu teria de bancar e no lar de merda que ele me iria pagar porque nunca ultrapassaria essa mágoa.
A frenética foi-me contendo a pieguice e por isso não cheguei a chorar quando senti que estava a abandonar uma para garantir o paga-contas, ou quando tive medo de falhar com o outro.

E é por estas e por outras que o meu olho esquerdo não para de saltar e um dia destes ainda vou secar o cabelo com a varinha mágica.

46 de 365

15.02.23

A Cinderela acordou com o som de uma notificação no telemóvel. Tinha o sono leve e era facilmente arrancada do mundo dos sonhos.

 

Agarrou o telemóvel com uma voracidade injustificada. Esperava que aquele plim lhe trouxesse uma mensagem privada com a foto da gaita do seu amado. Alguma coisa que lhe desse calor numa noite fria. Em vez disso, para seu desgosto, percebeu que tinha sido identificada num giveaway por uma das filhas da madrasta que queria ganhar uma mariconera da Primark.
Não conseguiu voltar a dormir. Deu voltas e voltas na cama. Ainda agarrou no Satisfyer para aconchegar a patareca, mas não resultou porque estava longe do mindfulness necessário.
Olhou para o relógio, nem 7 da manhã, logo naquele sábado em que podia dormir até mais tarde porque as crianças estavam com o pai.

A Cinderela e o Príncipe divorciaram-se pouco depois de o filho mais novo nascer. Ela andava desmilinguida pela casa e ele aproveitou um serão no trabalho para, entre relatórios, comer a Jéssica da Contabilidade em cima da fotocopiadora. A Cinderela descobriu porque o otário fotocopiou as nalgas da Jéssica e, atrapalhado com um barulho súbito no escritório ao lado, guardou os papéis na pasta em vez de os destruir.

Suspirou por não ser capaz de pensar positivo e ultrapassar os pequenos dramas e decidiu levantar-se. Vestiu uns trapos, cheirou o sovaco para garantir que ainda aguentava sem banho, meteu os óculos de sol e saiu.

 

A vizinha andava a passear o pincher que limpava a tripa enquanto a senhora sorria a quem passava. O animal, pequeno e indefeso, parecia mais envergonhado com aquela situação que a dona. A velha sorridente, ele meio obstipado. A Cinderela ainda viu a senhora afastar-se, deixando a obra do companheiro para apreciação de todos.

 

Meteu-se no carro e conduziu lentamente enquanto desejou a morte por raio divino e nascimento de pinheiros anais a 27 condutores. Quando chegou ao hipermercado ouviu o telemóvel apitar outra vez. Esperançosa, correu para ver se o seu amado a convidava para um brunch romântico. Em vez disso era a outra filha da madrasta que, aconselhada pela irmã, também a identificara no mesmo giveaway.

 

Nessa manhã a Cinderela só comprou vinho.

 

35 de 365

04.02.23

E foi quando vi um gajo a atirar uma pedra a um Clio azul que se instalou o pânico. O calhau entrou pelo vidro do pendura e foi acertar na mona de uma velhota que estava a cochilar no banco de trás.

 

O que eu tenho para escrever hoje não tem nada que ver com uma velha vítima de uma pedrada, nem com um Clio, nem com um gajo que mandou um calhau. Acontece que não tenho nada de jeito para escrever e ocorreu-me que usando os mais recentes e inovadores métodos do jornalismo sensacionalista, poderia fazer com que, quem está a passar por esta publicação, parasse para ler, num intervalo cognitivo de quem pensa: espera lá, uma velha entrevada por causa de um marmanjo sem pontaria? Like. Logo, assim, à cabeça a pessoa: like. Depois começam a ler a jana que para aqui apresento e pensam: olhem-me esta funcionaria da ganadaria da Quinta de São Piriscas a mangar com uma pessoa. Ponderam fazer unfollow, mas depois aparece qualquer coisa mais interessante e vão à vossa vida e o like eu já papei.

 

Estão a ver como é que se faz? Se calhar não, porque eu também não.

 

Estou só à rasca com conteúdos e não tenho cu para vos espetar com as minhas nalgas no ecrã para que se esqueçam que há legenda para ler.

 

 

Mas bom, para não vos deixar em pouco, vamos fazer de conta que o Quim Tó mandou mesmo uma pedrada ao Clio do Gervásio. Vamos imaginar que a Dona Alzira, mãe do Gervásio e da Cremilde, estava sentada no banco de trás do Clio de 99 do filho, à espera que o Gervásio voltasse da tasca onde foi buscar tabaco fiado. A velhota, sendo velhota, pôs-se na sua posição de velhota à espera de consulta no posto de saúde e deixou-se adormecer. Quando abriu os olhos já estava no Beatriz Ângelo a contar os dedos do médico enquanto lhe cosiam o lenho que o paralelepípedo lhe deixou no sobrolho. Quanto ao Quim Tô, moço já nos seus trintas, incerto da bolha e consumido dos nervos, quando chegou a casa já a mãe sabia que ele tinha andado a jogar à bola com os paralelos da calçada, abanou a cabeça e disse-lhe que ele era uma vergonha, um calhau bem atirado com pontaria acertava era no meio dos olhos, para a porca a Alzira aprender a não sacudir tapetes quando ela tinha roupa lavada no estendal.

34 de 354

03.02.23

Sugestões para o dia dos namorados. Este ano, em vez de darem porcarias que depois acabam na gaveta, ofereçam ações (e não, não são da bolsa).

Já sei que não dá para espetar nas redes sociais, mas aquecem mais cá dentro. Vivam o momento e apreciem as pequenas coisas e todas aquelas frases feitas que as pessoas partilham até à insanidade.

Coisas que a tua gaja quer:

Vira as peúgas do lado direito antes de pores para lavar. Não deixes lenços de papel nos bolsos, nem copos com um restinho de leite no lava loiças. Não faças comentários condescendentes sobre futebol, estacionamento e bricolage, um dia ainda levas com o martelo no alto da mona. Aspira a casa, limpa o pó. Faz a cama de manhã e não te esqueças de pôr as almofadas. Não digas que as almofadas não servem para nada. Aos domingos sai para ir comprar croissants sem ela te ter pedido. Arranja as merdas que estão empanadas em casa ou chama ou mitra que trate disso. Leva os putos ao parque e deixa-a ficar em casa, enrolada nas mantas, a ver o Bridgerton, há lá homens nus bem bons e ela gosta de ver. Aprende duas ou três receitas e faz o jantar. Baixa o tampo da sanita. Faz um workshop online e aprende a mexer na máquina de lavar roupa. Dá-lhe um abraço ao final do dia e pergunta-lhe se ela precisa de alguma coisa. Faz isso sem segundas intenções, nem tudo na vida é sobre pinar.

Coisas que eu acho que o teu gajo pode querer:

Não andes sempre a dizer que ele faz as coisas mal. Deixa-o ir jogar à bola sem achares que ele anda mazé a comer a Jéssica da contabilidade. Não lhe mexas no telemóvel. Não te estejas sempre a queixar dele às amigas só para te sentires parte. Deixa-o tratar dos putos sem pensares que ele os deixa fazer tudo e os compra com gomas e chocolate. Compra, mas toma conta também. Convida-o tu para jantar se te apetece uma saída, em vez de estares a deixar dicas de merda que já sabes que ele não vai perceber.

As relações não vivem de relógios da moda e de jantares em restaurantes atascados com casais a picar o ponto em dias comemorativos. Mais vale 364 dias em que são amigos um do outro, do que um que é mesmo espetacular para mostrar aos outros.

 

Podem acompanhar-me no Instagram aqui.

Podem subscrever a minha newsletter aqui.

Vinte e três

01.12.22

IMG_20221201_104940_522.jpg

Dizem que o melhor do natal são as crianças. Eu acho que são os chocolates. As crianças são o melhor do mundo a maior parte do ano, nunca esquecendo que temos de descontar o tempo em que são chatas. As crianças não nos deixam comer o bacalhau sossegados e fazem uma chinfrineira dos diabos por causa das prendas. Temos de lhes dizer mil vezes que as broas da avó não são para brincar e implicam com a comida toda pq a tradição não é pizza e douradinhos. E nem vamos falar dos brinquedos que não trazem pilhas, a criança pede para abrir a caixa e a pessoa percebe que aquilo não vai fazer os truques pq não traz pilhas, são 2 dúzias de pilhas A+ e nem sacando de todos os comandos a gente se safa. A criança começa a ferver e é por um triz que não temos de lhe espetar com 2 cascas de laranja cristalizada no bucho para as calar.

Os chocolates ficam ali, caladinhos, sedutores, com sorte cheios de licor, o que para além de ser bom, nos ajuda a aturar os petizes sem lhes arrear com o trenó do pai natal no alto da pinha para termos 2 segundos de silêncio enquanto eles ainda estão confusos a pensar de onde veio aquele dói-dói.

Adoro receber chocolates no natal, especialmente se mos derem antes da noite de natal, para q eu possa ir varrendo tudo tranquilamente. É preciso entender que os que me dão a 25 também têm de ser despachados até dia 1, pq toda a gente sabe que no início do ano se começa uma vida nova, uma personalidade nova, objetivos novos, passamos a viver de goji e pistachos e, dessa forma, as substâncias impuras não devem estar no lar. Pelo menos até 15 de janeiro, altura em que entrego os pontos mais uma vez. Por isso a pessoa bota abaixo mon cherry à razão de 3 por bica para garantir que não se estragam pq a vida está complicada e é má educação deitar comida fora.
Este pai natal, por ex., vai ser comido assim que acabar de tirar a fotografia e as minhas pernas servem bem de pinheiro já que parecem dois troncos de árvore. Falta verde, é certo, mas isso a gente mete o verde com a imaginação.

Dito isto, viram o que eu fiz?  É 1 de dezembro, falei do natal e fiz uma rabeta ao texto choninhas. Assim estilo forcada da lágrima.

 

Dezanove

26.11.22

20221031_164836.jpg

 

Bob vs peúgas encardidas. É a melhor legenda que consigo arranjar para esta foto.

A experiência diz-me que tratar os cães como bebés faz com que eles acreditem que são, de facto, bebés. A experiência, os sete livros de treino que comprei (e li) e o curso de treino básico que fiz. Ainda assim, apesar de toda a teoria, insisto em infantilizar os cães, o que faz com que depois, quando tenho mesmo um bebé em casa, eles se comportem como quem pensa: espera lá, que é isso que trazes aí? O bebé sou eu. Mas atão!

O Bob anda pela casa atrás de mim, senta-se nos sítios mais estapafúrdios, faz-me ir contra ele como quem esbarra numa rocha que nasceu, inesperadamente, no centro da casa, cheira a fralda da bebé e olha-me nos olhos, desalentado, num lamento que parece dizer: em que canil é que arranjaste esta? Já viste que se borra toda em casa, não é aqui como o menino que se guarda para um bom arbusto?

Cá em casa parece que toda a gente tem défice de atenção. É o que diz o Nuno quando me vê a andar de um lado para o outro com a Inês ao colo, o Ricardo atrás a falar de pokemons e o Bob a seguir-nos quase esperançoso que eu me deslargue da bebé para andar a embalar-lhe o lombo de um lado para o outro repetindo um: quem é o menino da dona, quem é? Enquanto lhe vou dando a chuchar umas rodelas de chourição.

Quinze

22.11.22

Se for para andar à pêra chamem-me que eu apareço, agora se for para ver os meus filhos a ser vacinados não contém comigo que eu não tenho estofo para isso.

Embrulham-se-me as entranhas ao vê-los a ser picados uma e outra vez. No fim com as perninhas gordas a parecer cadernetas de cromos, cheias de pensos coloridos. Se não estiver a pensar que aquilo os salva de coisas terríveis, pego neles e corro hospital afora como uma maria ensandecida.
Choro. Choro muito. Vou logo avisando a enfermeira que choro mais do que a bebé. Da primeira vez foi pior, tiveram de me pedir amavelmente para sair da sala de vacinação. Desta vez já fui uma crescida, fiquei a um canto a verter tanta água dos olhos que mais parecia que alguém tinha feito um furo numa barragem. Comporto-me de forma infantil, o pai segura, a enfermeira dá as vacinas e eu depois pego na bebé e faço aquela cara de quem diz: pronto, a mãe agora não os deixa fazer mais mal.

É vergonhoso. O nível de palermice a que uma mãe chega.

Dou por mim capaz de pedir que a enfermeira me inocule o lombo todo para que não tenha de o fazer à bebé. Ela tem de levar 4? Dê-me a mim 12 e não se fala mais nisso. Deve passar no leite.

Se eu mandasse no universo e no cosmos e nessas coisas todas, as crianças só levavam vacinas a partir dos 14, que é quando já estamos mesmo fartos da merda que dizem e nessa altura já nem rezamos por uma enfermeira doce e meia, compramos e administramos em casa mesmo, de preferência entre os olhos.

Sodona imperatriz Inês foi hoje à vacina. Eu estou a gerir a minha ansiedade, a minha hipocondria e o meu stress pós-traumatico. Estou a vê-la dormir na alcofa, piscando a baixa velocidade, numa concentração de segurança privado treinado pela mossad, à espera da pior das meliantes - a febre - pronta para lhe dar um sopapo de paracetamol no focinho.