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Exercício de escrita

Vinte e seis

04.12.22

Se dependesse do meu filho a gente clicava duas vezes no pinheiro e a árvore ficava montada. Depois era só pôr a estrela, acender as luzes e voilá, feito. Assim despachava-se esta chachada e sobrava mais tempo para cartas Pokemon, decorar bandeiras de países e saber curiosidades geográficas. Por exemplo, sabiam que se juntarmos todos os países do mundo a área ocupada é inferior à superficie do oceano pacífico? Não? Pois, eu também não sabia até ter chegado à terceira bola da árvore. E não se iludam, eu adoro que ele tenha estes interesses e os partilhe comigo. Menos quando estou a gastar 2 horas dos 365 dias do ano a montar o pinheiro de natal. Nessas 2 horas só quero saber de luzes e bolas.

Se dependesse de mim a árvore montava-se sempre com muita calma. Primeiro ajeitando a estrutura do pinheiro, depois ajustando os ramos, colocando as luzes na "parte da frente" (a parede não me parece que vá apreciar o pisca pisca), parando a cada bolinha para ver onde é que faz falta mais cor e assim por diante. Quem sabe até com umas musiquetas de natal no fundo.

Ora esta diferença de abordagem gera algum desaguisado e, sendo eu uma pessoa cansada e ele um jovem com um lombo tenrinho, sou eu que fico com a superfície ocular toda nervosa.
Ele partiu uma bola daquelas que parecem ser feitas de vidro. Eu comecei a estrilhar e depois deixei cair outra igual. Ele riu. Eu sou capaz de ter deixado sair um "pu...da bola" que ficou ali preso nos dentes como um bocado de alface.
Acabaremos o trabalho hoje, porque eu ontem estava capaz de dar machadadas ao pinheiro.

E é assim, um relato nada condizente com as redes sociais, em que as crianças são sempre pacientes, pairando em movimentos em câmara lenta, sempre com um sorriso meloso, sábias do sítio certo para cada decoração, quem sabe vestidas com suspensórios cheios de renas e incapazes de tentar pôr 3 bolas em cada ramo para andar com o assunto porque há mais que fazer.

Apontamentos natalícios

21.12.21

O Natal está à porta e eu não tenho vontade para comemorações.

Não apetece acender as luzes da árvore e só o faço porque sinto que devo essa magia ao meu filho.

Cansa-me pensar em prendas. Já nunca penso muito. Quando calha, vinho e chocolates para os adultos. Para as crianças brinquedos. Para aqueles que ainda não têm filhos, mas já mandam no nariz que chegue para que não me arme aos cágados a comprar o que não sei se gostam, são corridos a envelopes com dinheiro.

Detesto prendas por obrigação e as do natal sabem-me sempre a isso. Menos as das crianças, essas são um regalo todo o ano.

Não tenho fome de bacalhau, nem de couves, nem de bolo rei, rainha, príncipe, visconde ou outro qualquer título dessa estirpe.

Sinto-me murcha e o que me rodeia como que numa onda de letargia com cobertura de alegria forçada, porque o natal é amor e harmonia e eu-meto-esta-felicidade-goela-abaixo-nem-que-seja-a-última-coisa-que-eu-faço.

A chuva só piora as coisas, deixa tudo mais cinzento. Os gritos no trânsito. Um quase desespero por chegar primeiro que os outros como se os compromissos de uns valessem mais que os dos restantes. As filas intermináveis. O centro comercial atestado de gente onde quase se podem ler os balõezinhos em cima da cabeças: vou comprar para me sentir feliz.

Porque o dinheiro não traz felicidade, mas embrulha e deixa levar num saco bonito de marca cara. E a pessoa sente-se melhor por momentos, eu sei disso, também já trouxe uns e enquanto estavam na mão parecia que trazia ali alegria pendurada.

E nem vamos falar das mensagens para impingir perfumes em promoção.

 

O Natal está à porta, sinto que estou em câmera lenta quando tudo circula a mil à minha volta e eu não consigo acompanhar. Não consigo agarrar o espírito espevitado de natal. Nem aquelas cantilenas de cassete gasta me deixam mais nostálgica. Soa-me a barulho de fundo.

São muitas coisas que não se alinham. Os natais encantados de um lado. Os solitários do outro, com quem não tem ninguém e os que até têm, mas ganharam senha para ficar em casa. Cumprimentos do bicho.

Se calhar sou eu que penso demais nas coisas. Devia sair da minha cabeça e entrar no shopping, é capaz de se estar lá melhor.

#3

Três dias, três pequenos contos

16.12.21

Sabia das crianças de lá de onde a mãe trabalhava. Um lugar que lhe parecia encantado onde se tomava conta de quem não tinha ninguém. Sabia que o natal não se passava entre os desaguisados dos tios, as travessas de bacalhau, os sonhos e as fatias douradas. O natal, nesse sítio onde se distribuía amor em porções iguais nas horas ditadas pelo ponto, era passado no amparo dos desamparados. Ouviu a mãe falar da festa singela que iam fazer com a simpatia de quem ajudava. Entrou no quatro e fechou as portas. Remexeu caixas e armários. A mãe de mãos à cabeça. Em poucas horas uma dúzia de embrulhos regados a fita cola. Levas amanhã, mãe. Dizes que foi um pai natal pequenino, sem barbas e sem trenó.