Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Exercício de escrita

50

19.02.23

Não é um pesca likes. É uma reflexão. Não estou à procura de mimimis e de comentários encorajadores. Estou só a pensar em voz escrita. Se é que tal coisa existe.

Todos os dias me pergunto porque raio faço isto. Porque raio, com a vida que tenho, em que muitos dias mal arranjo tempo para me pentear, tiro tempo daqui e dali para enjorcar matéria para escrever mais uma balela? É pelos seguidores e porque quero ver o número crescer? Será pelo feedback imediato que me dá algum aconchego? Será pela companhia que tenho do outro lado do ecrã e que me permite sair de fininho, por breves instantes, da vida comezinha de afazeres? Será a esperança de que me abra uma janela para algo mais? Ou será porque tenho medo de perder esta aptidão criativa que julgo ter? E será que tenho mesmo uma aptidão criativa, ou serei apenas como aquelas pessoas que vão aos programas de cantigas, certas de que têm uma voz melhor que a da Adele porque a família lhes tem mentido a vida toda?

Todos os dias penso: vou deixar-me disto, porque é estúpido. E depois dou comigo a pensar no tema de forma genérica: porque é que as pessoas têm redes sociais? E nas pessoas incluo-me a mim, claro está. Porque raio as usam? É para entreter alguém? E se é, não esperam nenhum retorno? É para serem entretidas? É para que possam opiniar? O que as leva a que exponham as suas casas, as suas vidas, os seus dilemas, as suas frustrações, os seus pensamentos e opiniões, os seus filhos, os cães, os gatos, as férias e mais um par de botas? Não andaremos todos à procura do mesmo? Não assentará tudo numa vaidadezinha que não conseguimos conter e na possibilidade deste palco improvisado e virtual? Ou será a busca por um sentido de comunidade que se perdeu no trato cara a cara?

Todos dizem chegar por acaso, meros incautos, mas depois celebram o crescimento da assistência fervorosamente. Porque esse crescimento significa alguma coisa. Será que não queremos todos alguma coisa?
Se calhar ninguém quer nada e sou só eu que penso nisto, porque esmifro os assuntos até à exaustão.

Cada vez acho menos e pareço saber quase nada.

Às vezes só me custa encontrar o propósito das coisas.

47 de 365

16.02.23

Caro condutor, se não usas os piscas para assinalares mudanças de direção porque tens medo de gastar as lâmpadas; se páras o carro à balda porque tens mesmo de ir à bica e tens de ficar à porta do café já que andar te dá dores de peida; se ocupas 2 lugares de estacionamento, porque precisas de mais espaço do que uma vaca para passares pela porta do popó; se estacionas em cima do passeio impedindo a passagem de carrinhos e cadeiras de rodas, em cima de passadeiras, no lugar das pessoas portadoras de deficiência, no lugar das famílias com crianças de colo ou no lugar das grávidas; se te armas em fuçangas nas rotundas, entrando à força e tapando a circulação, impedindo que, quem vai para direção oposta, possa passar só mesmo porque, se tu tens fila, os outros também têm de estar na merda, já que não gostas de sofrer sozinho; se vais por uma faixa que não te leva para onde queres ir só para te fazeres de parvo/a e meteres o carro à frente dos outros como se a tua vida fosse mais importante que a dos outros; se achas que os outros são sempre lentos porque respeitam os limites de velocidade e segues ali, estilo cheira-cus, a fazer pressão para que acelerem ou saiam da frente só porque tu estás impaciente para chegar ao raio que te parta; se fazes ultrapassagens bruscas só para te meteres à frente da pessoa e travar porque achas que tens o poder do castigo divinó-rodoviário e queres ver se assustas ou crias um potencial acidente; se andas muito acima do limite de velocidade, especialmente em dias de chuva, armado em Fittipaldi, arriscando a vida dos outros (e não digo a tua, porque para a tua me estou bem cagando); se bloqueias a saída de outros carros e, quando te buzinam, ainda vais devagar arriscando um “é preciso ter calma”, sem saberes se a pessoa está atrasada para o trabalho ou aflita porque lhe ligaram da escola a dizer que o filho está doente; se não sabes as regras de alternância; se te pões a dar gasadas no acelerador quando está alguém a atravessar na passadeira; se és um destes amáveis grunhos, estimo bem que vás, carinhosamente, para o caralho que te foda.

Beijinhos e votos de um dia maravilhoso, para ti e para o pinheiro com o qual devias marrar.

Opiniões, cada um com a sua

07.12.22
Aparentemente o Cristiano levou Portugal ao mundo. Pegou nas suas chuteiras e foi mostrar a quem não tinha mapa onde é que fica este belo território, repleto de boas praias, boa comida e boa gente que, apesar de ser boa gente se desentende sobre a importância de um jogador da bola para uma nação.
Eu cá preferia que o meu país não fosse conhecido por ter o melhor futebolista do mundo, gostava que nos gabassem coisas mais obtusas, enfadonhas, cinzentas.

Gostava que Portugal fosse conhecido além fronteiras porque os portugueses têm bons ordenados, daqueles que lhes permitem ter uma casa com jardim ou na cidade, um carro novo sem ter de o pagar em 10 anos. Um país onde há um bom sistema de saúde, onde não se espere 14 horas para ser atendido. Um sistema de ensino que garante aulas para os miúdos e respeita os professores. Um país em que os pais têm mais condições para cuidar dos filhos e onde a população envelhecida não é esquecida, deixada à mingua com reformas de miséria.

Nada tenho contra o Cristiano, este texto é mais sobre nós, portugueses de vidinha costumeira, do que sobre ele.
Trabalha muito? Também eu, e não ganho num mês o que ele ganha num dia, só porque é homem e é mesmo muito capaz a meter bolas numa baliza. Também os médicos e enfermeiros que nos salvam a vida trabalham muito. Também a senhora do quiosque do metro que serve todos na correria e mal recebe bom dia ou obrigado.

Podemos gostar do profissional sem o venerarmos. Sem ensinarmos aos nossos filhos que um gajo que mete golos leva o país ao mundo, quando os emigrantes que de cá saem à procura das condições que o país não lhes dá, fazem muito mais pela nossa bandeira, dizendo orgulhosos que são de Portugal. Este Portugal que lhes deu más condições de trabalho e instabilidade.

Se devo alguma coisa ao Cristiano? Não. Devo ao BPI que há 14 anos me emprestou dinheiro para que a minha família tivesse uma casa para viver. 

Vinte e um

28.11.22

Um homem que muda fraldas é um veterano de guerra. Um bravo combatente da batalha pais-fraldas que dura há mais anos que o conflito Israelo-palestiniano.
Uma mulher que muda fraldas é só uma gaja a fazer o que lhe compete.

No domingo fomos ao IKEA. A meio do passeio a bebé começou a ficar irrequieta e o pai tirou-a do carrinho. Minutos depois borrou-se e o pai, que troca mais fraldas do que eu, pôs-se a caminho do fraldário. Bebé num braço, mochila no outro.
Pelo caminho um tapete de encanto. Com exclamações de ternura a cada passo. Ele de peito crescente convencido que a filha é a mais linda de todos. Voltou para perto de nós e a bebé borrou nova fralda. Ele lá foi, bebé de um lado, mochila do outro. Outro périplo de pasmo cheio de purporinas. No fim da volta a bebé tinha fome e fralda para mudar. Fui eu. Ninguém manifestou qualquer embevecimento. Afinal de contas sou só um mãe a fazer o seu papel.

O que mais me irrita nisto é que esta surpresa de óós e que-lindos vem de outras mulheres e não de outros homens. Esses, das duas, uma: ou veem um gajo a fazer o que também fazem, logo não há novidade; ou acham que estão a olhar para um palerma que não soube entregar a criatura à profissional competente.

Isto arrelia-me porque nós, mulheres, continuamos a compactuar demasiado com esta ideia de que os filhos e a cozinha nos estão carimbados no corpo e que eles, quando fazem a parte deles, são umas relíquias. Podem ser, mas não é por isso. E o mal disto é que, inadvertidamente, passamos a ideia aos nossos filhos de que está certo assim. Não está. Tenho uma filha e um filho e quero que ambos saibam que os seus papéis são iguais e não ditados pelo seu género. Já não estamos na caverna, eles não saem par caçar gnus.

Sempre que falo disto lembro-me de um episódio antigo. Tinhamos começado a viver juntos e a minha sogra mandara lá para casa uma iguaria qualquer. Quando devolvemos a caixa a senhora achou que estava gordurosa, então chamou-me para me dar o alerta, ao qual respondi: se não está bom fale com o seu filho, é ele que lava a loiça lá em casa. A senhora, no meio do seu espanto horrorizado, nunca disse nada ao menino dela.

Dezasseis

23.11.22

Sente que precisa de umas ventas retocadas? Então Lisboa é o sítio para si. Venha provar os nossos doces típicos, conhecer a nossa história, andar distraído pelas ruas e levar com uma trotineta nas trombas.
Esta devia ser a publicidade para visitar a capital.
De acordo com os números registados, só em 2022, já houve quase 500 incidentes que envolveram trotinetas. Os níveis de gravidade variam, mas em vários casos o embate é de tal ordem que obriga a cirurgia maxilo-facial. Eu, que sou má-língua, arriscaria que na parte mais aguçada do mau trato está o pobre que anda a pé, descontraído na sua caminhada e não o imbecil da trotineta, que vai a 20 ou 30 km/h em cima do passeio, fazendo razias a quem está sossegado, incluindo crianças que, se levaram com uma merda daquelas em cima, nem quero imaginar a desgraça. A grande maioria dos utilizadores, segundo me apercebo, são turistas, que veem neste pais de brandos costumes gentes que aceitam tudo para os receber. Riem-se num divertimento de quem sabe que pode fazer o que lhe apetece porque ninguém lhes vai dizer nada. Quando temos sorte lá ouvimos um sorry, como o casal inglês que encontrei da última vez que fui passear a Belém, divertidíssimos, a usar o acesso de rampa para subir ao miradouro de trotinete.

Este é um dos sítios que já evito para passear, gosto de andar em liberdade e de poder deixar o miúdo correr à vontade em vez de o refrear com medo que seja colhido por um grunho que depois diz sorry quando me partir o miúdo todo.
Para já a câmara anda em conversações sobre regras de estacionamento. Algo tão básico que deveria ter sido acautelado antes de ser aceite que a cidade estivesse empestada. As empresas, interessadas em meter ao bolso a maior quantidade de dinheiro possível, assobiam para o lado e dizem que a câmara é que tem de assegurar isto e aquilo.
No meio da jigajoga é o tuga que fica, mais uma vez, posto de parte das suas cidades, já mal pode lá morar, qualquer dia só lá vai passear uma vez ao ano, de armadura e mil atenções, não vá sair de lá com o papelinho da baixa e sete ossos partidos. 

Dois

09.11.22

Coloque-se em posição de agachamento. Isso. Agora pegue no haltere com a mão direita e levante o braço acima da cabeça. Boa. Toque com a mão esquerda no calcanhar direito e faça força nos glúteos. Excelente trabalho. Este treino é ótimo porque trabalha upper body, lower body e core. Faça 5 sequências de 10. Não são mais do que 15 minutos e fica com um treino completo para o dia. Qualquer pessoa tem 15 minutos. Não há desculpas para não treinar.

Só que há. Não desculpas, mas razões. Este parece ser o discurso de quase todas as páginas de treino que encontro. Cada exercício a tentar espremer a maior parte de grupos musculares possíveis, tudo para esmifrar um treino completíssimo em menos de um quarto de hora. Até aqui tudo bem, se eu puder ficar mesmo boa em 15 minutos escuso de correr 1 hora. O problema é que não estamos a falar exatamente de 15 minutos, não é? Já que o treino até pode ser rápido, mas a logística em torno do treino é implacável. Em princípio (a menos que seja PT) não ando sempre de roupa de desporto, o que significa que, para treinar vou precisar de trocar de roupa e aqui temos logo, na boa, uns 5 minutos. Depois de acabar o treino, é conveniente - para bem do asseio e da convivência em sociedade - que tome um banho e troque de roupa para algo limpo e que cheire a lavado. Temos logo mais 15 a 20 minutos. Ora, tudo somado, já vamos em 35 a 40 minutos. Isso já é tempo mais difícil de esgueirar num dia.

Dizem que o melhor é deixar o treino despachado logo de manhã, e idealmente é verdade, mas para quem já se deitou fora de horas porque teve de preparar o dia seguinte, para quem não dormiu a noite toda porque os miúdos acordaram, não é assim tão simples acordar meia hora mais cedo. De mais a mais, as manhãs já são caóticas que chegue, a despachar pequenos-almoços e marmitas, a garantir que as malas estão prontas para a escola e que levam peúgas da mesma cor. O treino sabia bem depois desta azáfama, mas nessa altura já está a pessoa atrasada para chegar ao trabalho a horas.

A hora de almoço também é uma hipótese, mas lá está, é uma escolha: comer ou treinar. Porque existe um limite para o que se consegue fazer em 60 minutos. Para não falar que, quem tenha que se deslocar ao ginásio tem de acrescentar ainda mais uns 15 minutos para o caminho. Ou seja, nesta proposta temos fome e treino para chegar ao treino. Quando a pessoa pega nas tarefas de tarde já está de tal forma elétrica que é possível carregar um Tesla se lhe espetarmos com a ficha no reto. É experimentar.

Ao final do dia também dá, mas é menos aconselhado porque a vontade vai diminuindo. Dizem. Não é a vontade que diminui, são as tarefas que se acumulam, porque é preciso despachar banhos, garantir que os TPC são feitos e que há jantar na mesa.

Sobra aquela hora tardia antes de dormir, quando a pessoa finalmente suspira porque está toda a gente a descansar e talvez consiga ir tomar um banho sem ter filhos, tarefas ou o relógio à perna, a última coisa que precisa é de correr o risco de deixar cair a porra de um haltere e acordar alguém. Para além do que, o que sabe realmente bem, é agarrar num livro e ler meia dúzia de páginas para exercitar o cérebro ou adormecer a ver uma série enquanto se baba ligeiramente para o lado.

Dito isto, sim, os treinos são bons. Tenho muitos guardados nos meus favoritos do Instagram. Uma vez por semana, com sorte, lá faço um. Quando alguém fica com os miúdos e eu finjo não ter filhos e troco o aspirador (apesar de o chão estar uma miséria) pelos halteres.

Lá está, não há desculpas, é um facto, porque há razões e essas variam com a vida de cada um.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

Podem acompanhar-me no Instagram aqui.

Pôr ou não pôr as fotos dos filhos nas redes sociais

26.10.22

Os meus filhos são os mais lindos do mundo. Para mim, naturalmente. Podia passar o dia a esfregar fotografias deles na cara das pessoas até que começassem a vomitar os meus descendentes pela retina. Mas não o faço. Não o faço porque ainda não estou resolvida com esta coisa de ter as fotografias dos meus filhos nas redes sociais. Quando muito umas pernas gordas, perfil que só se vê com muito zoom, uma nuca que pode ser do filho do vizinho. Não o evito por ter medo de predadores e afins, desses tenho medo em sítios onde estão em carne e osso, mas porque não sei o que é quanto baste. Onde fica o suficiente e onde começa o uso desmedido da imagem de alguém que, apesar de ter saído de mim, na verdade não me pertence e tem direito a dizer: mãe, não quero a minha imagem espalhada pela internet afora?

Quando penso neste tema tendo a sentir-me ridícula. Falo deles, conto peripécias, não consigo evitar envolvê-los naquilo que escrevo sobre mim, uma vez que fazem parte da minha história e marcam tanto daquilo que sou. Será que não vai dar ao mesmo ou a algo muito aproximado: falar deles ou mostrá-los?

Quando este tema vem a lume fico sempre dividida: por um lado penso que pôr fotos dos filhos nas redes sociais é uma coisa cada vez mais natural, por outro parece-me excessivo, seja pela quantidade, seja porque os pais, sendo pais e não proprietários, estão a usar a imagem dos filhos sem a sua verdadeira autorização.

É complicado, parece-me. Mais ainda porque venho de um tempo em que as fotos dos filhos só eram esfregadas nas trombas de outras pessoas quando, acompanhando um cafezinho, a minha mãe metia os álbuns goela abaixo dos convidados, ou quando a fotógrafa punha a foto que lá tiráramos na montra.

Às vezes tenho vontade de partilhar mil fotos, mandar a internet abaixo em likes com estas caras maravilhosas, mas contenho-me. Pelo menos até ter os meus berlindes alinhados quanto a essa matéria.

Para já só sei que gosto que as pessoas aqui passem pelo que escrevo e não para ver os meus herdeiros.

Duas crises e uma pandemia

24.10.22

20221022_211021.jpg

 

Para o ano faço quarenta anos e por essa altura levarei no lombo duas crises e uma pandemia.
São projetos que se adiam porque a incerteza está sempre à porta e atrás dela o medo de perder tudo aquilo para o qual trabalho. Ficam em espera a casa nova com um pouco de jardim para as crianças brincarem, o carro novo, a viagem de que ando a falar há dez anos. Com sorte mantenho um emprego que me dá alguma estabilidade, mas nunca me esqueço de que o tenho com alguma sorte, já que há tanta gente com a mesma idade, o mesmo nível académico, certamente tão ou mais capazes do que eu e que são arrastados de trabalho precário em trabalho precário.

Não quero uma casa melhor a troco de que alguém tenha tenha ficado sem teto porque não conseguiu pagar a prestação ao banco. Não quero um carro novo mais barato porque alguém estrangulou as suas margens para conseguir vender.

Quero que a vizinha da pastelaria continue a ter negócio porque as pessoas podem lá ir tomar o pequeno-almoço, quero que o cabeleireiro continue a ter velhotas a fazer a mise todas as semanas, quero que os pequenos negócios que alimentam tantas famílias persistam.

Quero sentir que os preços não são manobrados nos supermercados e ter uma justificação aceitável para o aumento de alguns bens, para o sobe e desce do litro de combustível.

E para um povo com a classe média estrangulada, com aqueles de parcos rendimentos a começar a passar fome, temos um presidente papagaio e um governo em cama de conflito de interesses. Gerir um país numa pandemia seguida de uma crise não é, reconheço, pêra doce, mas agora, mais do que nunca, precisamos que quem está ao leme nos transmita confiança, não pela semântica - estamos fartos disso - mas nas ações, na gestão.
Eu preciso disso, para mim, para o futuro dos meus filhos.
Acho que todos precisamos.

Esperemos que ainda nos reste a empatia pelo outro, que consigamos ajudar quem precisa de comida, que se ofereçam as roupas que já não servem aos miúdos em vez de as vender nas muitas plataformas de vendas em segunda mão. É certo que não ficamos individualmente mais ricos, mas pode ser que assim consigamos evitar que fiquemos coletivamente (ainda) mais pobres.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

Podem acompanhar-me no Instagram aqui.

As redes sociais estão estranhas

17.10.22

As redes sociais estão estranhas. É, penso, um reflexo desde mundo que parece andar do avesso. As publicações oscilam, na sua maioria, entre extremos. Por um lado a perfeição, a felicidade suprema, a beleza, a superação, a força de vontade, a conquista, os sorrisos imaculados. Por outro, a desgraça, as imagens chocantes, os dedos erguidos, as indignações, os textos de repúdio sobre o repúdio do repúdio que esmifram os temas de tal forma que do assunto que lhes deu origem já não resta nada. Partilhas aos magotes, comentários acesos, dedos rápidos no gosto que acompanha a validação do descontentamento.
No meio o quotidiano esmurece, para quê mais vida banal se essa já temos fora do ecrã?
Assim proliferam os opostos: o mais belo e o hediondo.
Todos participamos para que assim seja, porque a beleza é a que gostaríamos de ter, porque o feio nos mexe com as entranhas.
Resta a falta de pachorra, de tempo, de vontade e atenção para outras matérias. Passam-se à frente os textos com mais de três linhas, não se partilha o que não se acompanha de dedo em riste, não se deixa sequer gosto porque a falangeta está já pronta para o scroll e há que despachar para ver onde é que há paraíso ou carnificina.
Poucas ou raras vezes nos damos ao trabalho de dizer, a quem nos entretém sem radicalismos, que gostamos do que nos oferecem.
Por isso aproveito esta publicação para dizer o que me tem ajudado @apitadadopai com os lanches do miúdo, o quanto gosto da @ser_super_mae_e_uma_treta que trata a maternidade por tu, do regalo que é ler o quotidiano contado pela @anasousaamorim e é pena que escreva cada vez menos, que as dicas que tiro da @senasaudaveis me ajudam a treinar, que me divirto muito com a @miss.caco , de como a @araparigadaserra é uma fofa com pelo na venta, que leio as newsletters da @lenia_rufino enquanto dou de mamar, que gosto das recomendações livrescas do @blogministeriodoslivros e que me escangalho com o @confissoesdumlivreiro . Há muita coisa boa por aqui, cabe a cada um de nós primeiro escolher e depois não ter pejo em recomendar.
E sim, isto também é sobre mim, que não quero ser instagramer, mas gosto de ter quem leia. Porque 10 é bom, mas 1000 pode ser melhor.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.

 

Estamos um país de gente pouco amiga das pessoas.

01.09.22

No outro dia alguém dizia que somos um país pouco amigo das crianças, mas creio que, ainda que sendo verdade, a realidade é mais profunda.

Podia dizer-se que o problema é do governo, da oposição, das cabeças profissionalmente cuspidoras de opiniões que ocupam cadeiras no Largo do Rato, mas não acaba aí. Esses, todos os que lá estão, não são menos do que um reflexo daquilo que vemos no dia-a-dia, de pessoas que, nas suas vidas comezinhas, só olham para o seu umbigo.

A empatia parece estar em desuso. A menos que seja em comentários com emojis nas redes sociais e em quantidade de likes. E mesmo aí, só em causas desgraçadas em que o manifesto pela pena se enaltece para mostrar como cada um se condói com a dor alheia, num: olha para mim, que sofro tanto por este pobre.

Importa o eu, o eu, o eu e depois o eu. O que eu quero, o que eu preciso, o que eu desejo, o que eu mereço, o que eu tenho direito. E travamos naquilo que eu tenho dever, porque o dever obriga a algo que custa e então esse pode ficar fora da lista.

Vivemos numa constante guerra de posições, em que não se assiste ao esgrimir de argumentos informados e à análise de factos de fontes credíveis. Em vez disso transformam-se opiniões em dogmas e procura-se o porta-voz mais incisivo para transportar a mensagem.

As pessoas não conversam, porque conversar pressupõe, mais do que falar, escutar o outro. E a única coisa a que se assiste é a gente que só se ouve a si e a quem fala palavras iguais às suas.

As notícias são sensacionalistas e sanguinárias. Os jornais lutam pela capa que mais indignará quem passa. Para que fique para ler as outras letras grandes sem nunca chegar às mais pequenas. Evita-se o enfadonho. Os factos. Aqueles que permitem desconstruir a indignação que incendiará o dito envolvimento. Sem envolvimento não há comentários nem partilhas, não há um propagador de informação (distorcida ou não) para ocupar o pódio.

As pessoas procuram a lado criticável de cada notícia. A vida vai mal, vai vazia, vai sem a praia de águas cristalinas e pior do que isso, num emprego que detestam, com horas a fazer o que não lhes apetece.

Por isso importa que a Maria não estivesse feia que chegue a sair da maternidade. Que a Josefa não tenha conseguido perder o peso e já passou um ano desde que pariu. Que a saia da sicrana era curta para ir a igreja. Só se vê ladrões, assassinos e incompetentes, seguindo-se a nota de que: as pessoas são burras, votaram neles. Nota esta, frequentemente proferida por quem, tantas vezes, nem se levantou do sofá para pôr a cruzinha no papel.

A mixórdia é tanta e tão vasta que vai do momento a que se pede uma bica até à altura em que precisamos de uma ambulância para ir às urgências.

É o carro que ocupa o lugar do portador de deficiência. A mulher que vê uma grávida atrás de si e desvia o olhar para que não tenha de lhe dar a vez. O carro que se para no meio da estrada porque dava muito trabalho andar dois metros. O carrinho de compras que fica por arrumar no meio do parque de estacionamento.

Todos, à sua forma e num determinado contexto, somos reféns da precariedade das nossas condições. O médicos e profissionais de saúde que arriscam em decisões possíveis (ou impossíveis) porque o desgaste é imenso e não há mãos a medir à quantidade dos que pedem ajuda para os que os podem ajudar. Os professores que ensinam como podem, tantas vezes de opinião cerceada, porque o governo quer estatísticas e os pais querem filhos perfeitos. Os pais que desesperam para ter quem cuide dos filhos, porque as férias de verão são quase três meses e os pais mal têm os 22 dias, já que uma parte desses acabam sempre gastos para resolver burocracias, muitas delas, justamente relacionadas com os filhos.

Damos atenção superficial a tudo e não avaliamos nada com o detalhe que lhe merece. Estamos sempre com pressa para voltar para a nossa vida ou para a próxima notícia cor-de-rosa. Queremos saber o que esta página disse e o que aquela influenciadora achou. Porque se alguém achar por nós não temos de perder tempo a pensar na nossa própria posição e perceber, tantas vezes, que gastamos tempo com o que não o merece, que apontamos o dedo acusador de forma implacável sem nos colocarmos no lugar do outro.

E nesta dança deixamos de querer saber dos outros. Ou queremos, mas só se for para lhes pontar o dedo. Tem de haver sempre um culpado. E às vezes o responsável somos o aglomerado que dá pelo nome de todos-nós.

 

Podem subscrever a minha Newsletter "Autoterapia" aqui.