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Exercício de escrita

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25.01.23

Se tem aversão a dormir de noite e dá consigo sem saber o que fazer nessas horas, arranje uma criança.

A criança, para quem não sabe, é um bicho que aparece no planeta para contrariar na generalidade e quem a educa em particular. Se é para ir tomar banho a criança quer chafurdar na lama, se é para brincar a criança quer ir tomar banho; se é para jantar a criança quer jogar à macaca, se é para estar a brincar a criança tem fome; se a cozinha está disponível não lhe apetece nada, se o chão acabou de ser lavado apetece-lhe um iogurte; se é para ir para a cama não têm sono, se é para levantar precisa de "só mais 5 minutos".

E é aqui, no sono, no mais belo prazer de dormir, que a criança começa os seus trabalhos de aniquilação absoluta do adulto cuidador.

Primeiro surge um som, normalmente uma vogal em tom acentuado ou um ditongo básico. Algo nas linhas do: AAAAA UUUUUU TA-TA-TA-TA DAAAAAA. A pessoa acorda, umas vezes sem saber se a casa está a ser assaltada, outras vezes a desejar ser abduzida por extraterrestres, outras ainda a achar que um eletrodoméstico deu o pifo mestre na cozinha. Depois percebe que o problema está na máquina de fazer cocó que devia estar a dormir na cama ao lado. A pessoa dá tudo o que tem: muda fralda, oferece mama, oferece uma cama inteira de adulto disponibilizando-se para dormir aninhada no chão com a cabeça encostada à mesa de cabeceira, mas nada. A criança acordou às quatro e tem vontade de partilhar o seu dia. Ou seja, a criança, essa criatura de bochechas rosadas e pernas rechonchudas, que encanta tudo e todos com o seu sorriso desdentado, apesar de estar acompanhada todo o dia, só entende que deve partilhar as suas alegrias, usando todas as vogais e meia dúzia de consoantes, de madrugada. A pessoa sorri, enquanto sente a cara derreter porque a falta de descanso rebenta com as trombas de qualquer desgraçado e, tentando manter pelo menos um olho aberto, procura explicar à doce criatura: tu amanhã não trabalhas, pá!!!! (ler estas últimas 5 palavras com o som esganiçado do desespero).

Dito isto, saliento que as crianças são o melhor do mundo, logo a seguir aos coalas. Porque em boa justiça, nunca um coala me acordou a meio da noite.

Vinte e um

28.11.22

Um homem que muda fraldas é um veterano de guerra. Um bravo combatente da batalha pais-fraldas que dura há mais anos que o conflito Israelo-palestiniano.
Uma mulher que muda fraldas é só uma gaja a fazer o que lhe compete.

No domingo fomos ao IKEA. A meio do passeio a bebé começou a ficar irrequieta e o pai tirou-a do carrinho. Minutos depois borrou-se e o pai, que troca mais fraldas do que eu, pôs-se a caminho do fraldário. Bebé num braço, mochila no outro.
Pelo caminho um tapete de encanto. Com exclamações de ternura a cada passo. Ele de peito crescente convencido que a filha é a mais linda de todos. Voltou para perto de nós e a bebé borrou nova fralda. Ele lá foi, bebé de um lado, mochila do outro. Outro périplo de pasmo cheio de purporinas. No fim da volta a bebé tinha fome e fralda para mudar. Fui eu. Ninguém manifestou qualquer embevecimento. Afinal de contas sou só um mãe a fazer o seu papel.

O que mais me irrita nisto é que esta surpresa de óós e que-lindos vem de outras mulheres e não de outros homens. Esses, das duas, uma: ou veem um gajo a fazer o que também fazem, logo não há novidade; ou acham que estão a olhar para um palerma que não soube entregar a criatura à profissional competente.

Isto arrelia-me porque nós, mulheres, continuamos a compactuar demasiado com esta ideia de que os filhos e a cozinha nos estão carimbados no corpo e que eles, quando fazem a parte deles, são umas relíquias. Podem ser, mas não é por isso. E o mal disto é que, inadvertidamente, passamos a ideia aos nossos filhos de que está certo assim. Não está. Tenho uma filha e um filho e quero que ambos saibam que os seus papéis são iguais e não ditados pelo seu género. Já não estamos na caverna, eles não saem par caçar gnus.

Sempre que falo disto lembro-me de um episódio antigo. Tinhamos começado a viver juntos e a minha sogra mandara lá para casa uma iguaria qualquer. Quando devolvemos a caixa a senhora achou que estava gordurosa, então chamou-me para me dar o alerta, ao qual respondi: se não está bom fale com o seu filho, é ele que lava a loiça lá em casa. A senhora, no meio do seu espanto horrorizado, nunca disse nada ao menino dela.