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Exercício de escrita

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26.02.23

Queria ter um botão de pausa. Um botão de pausa como os dos comandos. Aquele que uso para parar o programa que me interessa para ir arrumar a cozinha e depois poder voltar para ver o resto mais descansada. Gostava de ter um botão desses para pôr o mundo em modo freeze, tudo parado, assim com os gestos suspensos, para que eu pudesse pôr ordem na minha vida.
O caos deixa-me estourada.

Vamos imaginar que tenho uma lista de dez tarefas. A meio da primeira já a segunda está em atraso. Quando começo a segunda já a terceira devia estar acabada, quando estou a começar a quarta já essa está tão no vermelho que a quinta e a sexta apitam para ser atendidas e já nem querem saber das demoras anteriores. Quanto começo a oitava já a primeira tem de ser feita outra vez e então nunca chego à nona e à décima, porque o ciclo volta ao início e eu sou arrastada novamente.

Faço listas, bloqueio agenda, faço promessas e juro a pés juntos que tenho mesmo de fazer isto ou aquilo, mas aparece sempre qualquer coisa mais premente e o isto ou aquilo fica relegado para quando der.
É o chamado nunca ver o fundo ao tacho. É como se tivesse corrido desenfreadamente para apanhar um comboio em andamento e só tivesse alcançado uma corda que pendia do vagão que leva carvão ou qualquer minério que larga pó preto, uma espécie de substância que me borra as ventas todas. Eu lá vou, agarrada com todas as forças, os pés já se levantaram do chão e o comboio não pára, segue a alta velocidade e quem quer ir nele que se agarre firme.

Isto para dizer que sinto que estou na merda e na maior parte dos dias não sei para que lado me virar.

Se calhar devia ligar a um coach ou fazer um worshop da vida só mesmo para perceber de forma certificada que estou enterrada em trampa até ao pescoço.

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22.02.23

A sua password vai expirar. Não, não pode ser o nome do seu cão, nem do seu gato, nem mesmo do seu periquito + asterisco.

Essa password é fraca. Essa é igual à anterior. Agora não é igual, mas é muito parecida, porque deste lado está um robot, mas o menino não é parvo. Eh Eh. Essa é muito longa. Essa agora é curta demais e não tem caracteres especiais. Muito bem, já tem caracteres, mas não dá porque tem de ter um número e uma letra maiúscula. Boa, finalmente conseguiu, agora lembre-se de mudar a sua password com frequência para evitar que os mau maus lhe lixem a vida. Adeuzinho e até ao próximo esfrangalhamento de nervos.

Sou só eu que me passo da bolha sempre que tenho de criar uma password nova? Seja lá para o que for. Quando são passwords do trabalho então, se eu estiver no escritório, o melhor é que nenhum colega da informática esteja a passar naquele momento, porque vai haver violência. Eu nem quero saber se o colega é engenheiro de sistemas e aquilo é segurança IT. Vai haver, pelo menos, gritos. Porque eu acredito que as pessoas da informática conspiram contra mim, com o propósito de me fazer parecer inapta para a vida. Sou uma pessoa que cresceu à base de papel, a ver velhinhos a atualizar a caderneta na Caixa Geral de Depósitos e agora querem que eu saiba o que fazer com esta evolução toda.

Porque que é que eu não posso usar sempre a mesma password? Porque raio não pode ser o nome do meu cão e tem de ser o nome do meu cão com uma letra maiúscula + data de nascimento da minha avó paterna sem barras + asterisco. Nota importante: esta não constitui nenhuma das minhas passwords, até porque não sei a data de nascimento da minha avó. Às vezes mal me lembro da minha.

É pá leiam a retina. Eu ando sempre com os olhos. Enviem-me um código para eu tatuar no chambão que possa ser lido sempre que tento aceder a uma aplicação.

A minha cabeça não decora tudo. É uma password para cada treta: para o computador do trabalho, para o homebanking, para o computador de casa, para o Instagram, para a seguradora, para a segurança social, para as finanças e por aí em diante. Qualquer dia tenho de pôr uma password para o rolo de papel higiénico dispensar oito folhinhas.

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20.02.23

Como passar de um 42 para um 38 sem exercício ou dieta.

Enquanto é jovem, imprudente e imbecilmente crente num futuro melhor, compre um apartamento num terceiro andar sem elevador.

Suba e desça, suba e desça, suba e desça, suba e desça, suba e desça até à exaustão. Suba e desça para comprar pão, coentros, batatas e a porra dos ovos que parecem ser aquela coisa que uma pessoa se esquece sempre ou que nunca compra em quantidade bastante para a semana (mais valia espetar com uma galinha na varanda, é o que é).

Pare um pouco para consultar o seu saldo e confirme que não tem como mudar-se para uma moradia.

Arranje três cães e duas crianças e depois: suba e desça, suba e desça, suba e desça, suba e desça. Suba e desça com o ovinho, com o carrinho, com a mochila que leva tudo o que o bebé pode precisar caso dê consigo perdida no deserto do Fórum Almada onde não há, de facto, sítio nenhum onde comprar nada. Suba e desça com os 27 sacos de tralha que as crianças precisam para passar duas ou três horas na praia antes ou depois de o sol estar com uma intensidade que é capaz de as fazer derreter. Suba e desça, suba e desça, suba e desça. Suba e desça para passear os cães, para mudar o carro de lugar porque o deixou a 700 metros da porta de casa, para ir buscar o Batman que ficou em cima da mesa da cozinha e sem ele o puto não se vai calar o caminho todo, para ir trabalhar, para comprar as mercearias que faltam. Suba carregada de sacos e sinta que acabou de fazer duas horas de halterofilismo.

Consulte a conta novamente e perceba que, apesar de ser cautelosa com os seus gastos, chegou uma inflação e mais especulação imobiliária e agora precisa de quase meio milhão de euros para comprar uma moradia minúscula na terra de ninguém.

Chore. Chore bastante, porque gasta mais calorias do que rir.

Suba e desça mais um pouco e respire de alívio já que é por não ter uma renda de mais de mil euros que ainda pode comprar tomate cherry para pôr na salada. De outra forma andava a atum com grão (e não seria Bom Petisco de certeza). Suba e desça ainda mais um pouco e pare para jantar enquanto vê as notícias e se regala dando-se por satisfeita por descontar tanto num país como este.

 

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19.02.23

Não é um pesca likes. É uma reflexão. Não estou à procura de mimimis e de comentários encorajadores. Estou só a pensar em voz escrita. Se é que tal coisa existe.

Todos os dias me pergunto porque raio faço isto. Porque raio, com a vida que tenho, em que muitos dias mal arranjo tempo para me pentear, tiro tempo daqui e dali para enjorcar matéria para escrever mais uma balela? É pelos seguidores e porque quero ver o número crescer? Será pelo feedback imediato que me dá algum aconchego? Será pela companhia que tenho do outro lado do ecrã e que me permite sair de fininho, por breves instantes, da vida comezinha de afazeres? Será a esperança de que me abra uma janela para algo mais? Ou será porque tenho medo de perder esta aptidão criativa que julgo ter? E será que tenho mesmo uma aptidão criativa, ou serei apenas como aquelas pessoas que vão aos programas de cantigas, certas de que têm uma voz melhor que a da Adele porque a família lhes tem mentido a vida toda?

Todos os dias penso: vou deixar-me disto, porque é estúpido. E depois dou comigo a pensar no tema de forma genérica: porque é que as pessoas têm redes sociais? E nas pessoas incluo-me a mim, claro está. Porque raio as usam? É para entreter alguém? E se é, não esperam nenhum retorno? É para serem entretidas? É para que possam opiniar? O que as leva a que exponham as suas casas, as suas vidas, os seus dilemas, as suas frustrações, os seus pensamentos e opiniões, os seus filhos, os cães, os gatos, as férias e mais um par de botas? Não andaremos todos à procura do mesmo? Não assentará tudo numa vaidadezinha que não conseguimos conter e na possibilidade deste palco improvisado e virtual? Ou será a busca por um sentido de comunidade que se perdeu no trato cara a cara?

Todos dizem chegar por acaso, meros incautos, mas depois celebram o crescimento da assistência fervorosamente. Porque esse crescimento significa alguma coisa. Será que não queremos todos alguma coisa?
Se calhar ninguém quer nada e sou só eu que penso nisto, porque esmifro os assuntos até à exaustão.

Cada vez acho menos e pareço saber quase nada.

Às vezes só me custa encontrar o propósito das coisas.

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17.02.23

A Inês acordou à 1, às 2, às 3, às 4, às 5, às 6 e depois, às 7:20 deu-me uma lambada e disse TÁDÁ, assim como quem está a apresentar uma coisa boa. Eu, baralhada, pensei: quem és tu? quem é que te deixou entrar? Depois voltei a mim e fui acordar o Ricardo-só-mais-5-minutos, aspirar macacos do nariz, limpar fralda, fazer pequeno-almoço e garantir que o Ricardo vestia a roupa certa para o desfile de carnaval da escola. Não me lembro de comer, porque enquanto alguns hidratos de carbono de inseriam na minha goela eu estava a fazer contas a toda a logística que teria de garantir até ao final da manhã. O Nuno foi levar o Ricardo e eu tinha de preparar a Inês para ir para os avós.

Agora importa salientar que os bebés se estão marimbando para as nossas pressas.

Cheguei à casa dos avós e expliquei à minha sogra que tinha mesmo de ir, porque, apesar de estar de férias, ainda tinha de tratar de uma coisa urgente de trabalho. Depois de dizer que compreendia a minha sogra desatou a falar como se eu também estivesse reformada. Eu, totalmente acelerada, pensei: se a cota não se cala vai haver um velhicidio aqui. Já a conseguia ver com uma linha vermelha em baixo a dizer "Alerta CM".

Fui para casa a correr, completei o que precisava e saí a voar para ir ver o desfile. Quando cheguei ofegava como uma criminosa.

Contive o choro quando vi os filhos dos outros e só não chorei quando vi o meu, porque havia tantas crianças que entrei em pânico e temi ser a mãe inapta que não conseguia encontrar o seu descendente. O que vale é que o puto sabe bem o tipo de despistada que o trouxe ao mundo e gritou: mããããããeeee, aqui. Eu era a única pessoa a ir vê-lo este ano e deixar-me-ia de rastos imaginá-lo a olhar à volta sem encontrar a mãe. Fico logo a pensar nos anos de terapia que eu teria de bancar e no lar de merda que ele me iria pagar porque nunca ultrapassaria essa mágoa.
A frenética foi-me contendo a pieguice e por isso não cheguei a chorar quando senti que estava a abandonar uma para garantir o paga-contas, ou quando tive medo de falhar com o outro.

E é por estas e por outras que o meu olho esquerdo não para de saltar e um dia destes ainda vou secar o cabelo com a varinha mágica.

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16.02.23

Caro condutor, se não usas os piscas para assinalares mudanças de direção porque tens medo de gastar as lâmpadas; se páras o carro à balda porque tens mesmo de ir à bica e tens de ficar à porta do café já que andar te dá dores de peida; se ocupas 2 lugares de estacionamento, porque precisas de mais espaço do que uma vaca para passares pela porta do popó; se estacionas em cima do passeio impedindo a passagem de carrinhos e cadeiras de rodas, em cima de passadeiras, no lugar das pessoas portadoras de deficiência, no lugar das famílias com crianças de colo ou no lugar das grávidas; se te armas em fuçangas nas rotundas, entrando à força e tapando a circulação, impedindo que, quem vai para direção oposta, possa passar só mesmo porque, se tu tens fila, os outros também têm de estar na merda, já que não gostas de sofrer sozinho; se vais por uma faixa que não te leva para onde queres ir só para te fazeres de parvo/a e meteres o carro à frente dos outros como se a tua vida fosse mais importante que a dos outros; se achas que os outros são sempre lentos porque respeitam os limites de velocidade e segues ali, estilo cheira-cus, a fazer pressão para que acelerem ou saiam da frente só porque tu estás impaciente para chegar ao raio que te parta; se fazes ultrapassagens bruscas só para te meteres à frente da pessoa e travar porque achas que tens o poder do castigo divinó-rodoviário e queres ver se assustas ou crias um potencial acidente; se andas muito acima do limite de velocidade, especialmente em dias de chuva, armado em Fittipaldi, arriscando a vida dos outros (e não digo a tua, porque para a tua me estou bem cagando); se bloqueias a saída de outros carros e, quando te buzinam, ainda vais devagar arriscando um “é preciso ter calma”, sem saberes se a pessoa está atrasada para o trabalho ou aflita porque lhe ligaram da escola a dizer que o filho está doente; se não sabes as regras de alternância; se te pões a dar gasadas no acelerador quando está alguém a atravessar na passadeira; se és um destes amáveis grunhos, estimo bem que vás, carinhosamente, para o caralho que te foda.

Beijinhos e votos de um dia maravilhoso, para ti e para o pinheiro com o qual devias marrar.

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11.02.23

E se for a igreja a pedir pelos professores, já os ouvem?

Não se fala de outra coisa que não seja a vinda do Papa, o altar-palco, as JMJ, o outro altar-palco e as baboseiras do Moedas e do Sá Fernandes. Ambos com os retornos de milhões na boca e os portugueses à rasca para ter onde viver e qualquer dia para ter onde trabalhar.
Ouve-se o que a igreja quer e o que apetece a uma cambada de gente estrangeira, mas fazem-se ouvidos moucos para aqueles que, garantindo as bases do país com tão precárias condições, gritam em plenos pulmões mas parecem estar em mute.
É um triste desgoverno, em que não se olha a custos para receber com tamanha cagança quem vem de fora, quando não se cuida de quem cá está todos os dias.
Gritam os professores, gritam os auxiliares, gritam os pais pelo futuro dos seus filhos e pelos seus empregos que se comprometem com mais um e outro dia de greve.
Até onde terão de ir para ser escutados. Para que as suas condições sejam ajustadas e os direitos básicos a exercer as suas funções com dignidade sejam atendidos. Os professores antes de serem professores são pessoas, e têm as suas famílias para cuidar. E quem fala dos professores, fala dos auxiliares, que tantas vezes ficam com as crianças até largas horas, quando o autocarro do pai ou da mãe falha e eles fazem esperar os seus, para que os dos outros não caiam em desamparo.
Metam o papa a falar no polivalente de uma escola secundária. Ou no pavilhão de outra. Os jovens estrangeiros que tanto dinheiro vêm cá gastar podem lá ir às casas de banho e, cumprindo os sonhos do Sá Fernandes, quem sabe ainda se embrulham atrás do pavilhão. Desde que seja sempre um Jean-Paul com uma Natalie e nunca um Francesco com um Pablo, que nossa senhora nos livre.
Este ano o meu filho já teve mais dias sem escola por razão de greve do que por doença. E eu, mantenho-me pedra e cal ao lado dos professores. Ainda assim, temo pela educação do meu filho, que vai ficando para trás face aos privados que seguem a velocidade cruzeiro.

Ouçam os professores, se não por respeito a eles, que seja pelo dito amor a deus. Deem-lhes o que eles pedem, por eles, pelas crianças, por nós, que desesperamos ao lado deles.

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10.02.23

Oito anos.

Amo-o para lá do que a razão pode explicar.

Temos o mesmo feitio. E estes olhos grandes, escuros e curiosos.
Somos palhaços. Rimos de palavras só porque ouvimos as palavras. Comemos gomas por ordem de preferência. Gostamos de fazer os outros rir e tentamos encontrar o lado cómico daquilo que nos dói. Eu hoje sei que o faço para aliviar o fardo, ele um dia vai entender isso também.
Eu babo-me com croissants do careca e ele até bate palminhas só de ouvir que os vai comer. É assim desde que comeu o primeiro, tinha ele um ano de idade. Diz com orgulho imenso que é alfacinha, só porque foi nascer ao outro lado da ponte. É um miúdo de abraços, tem tanto de despistado quanto de carinhoso e é muito de ambos. Derrete-me quando abraça a irmã e lhe segreda que ela é a melhor coisa da vida dele.

É ele que me ensina todos os dias a ser mãe e é por ele que tento ser alguém melhor, porque acredito, genuinamente, que o exemplo faz a diferença.

Às vezes apetece-me pendurá-lo pelas orelhas no estendal, quando ele faz coisas como ir buscar letras com ímen para escrever "cagalhão" na porta do frigorífico, ou quando me diz que eu, quando ralho, pareço um Pokemon em evolução.

É, gosto de acreditar, o resultado de quem se sente livre e amado.

Ontem contei-lhe mais uma vez como foi o dia em ele nasceu, e enquanto falava, parecia-me que tinha acontecido há dois dias. O tempo, estou cada vez mais certa disso, não corre, voa.

Agora vou ali choramingar mais um bocadinho, porque o meu primeiro bebé está a ficar um crescido.

Parabéns ao meu matulão, que adora saber as capitais dos países e que me ensinou que os ursos polares não comem pinguins porque os pequenotes de smoking e andar engraçado moram no Polo sul.

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09.02.23

A todas as mães.

Escrevo enquanto tento convencer-me de que me consigo apaziguar com estas palavras. Escrevo procurando que este texto sirva para mim e para todas aquelas que o lerem.
Às vezes, o amor que temos aos meus filhos chega. Eles não precisam que estejamos sempre com a capa de supermulher vestida.


Sou mãe e não sou de ferro. Não sou invencível, ainda que acredite que consiga crescer vinte vezes o meu tamanho para defender os meus filhos. Não sou feita de um material inquebrável, sou uma salganhada de amor, beijos, gritos, olhos revirados, abraços, esforço, noites mal dormidas, dores nas costas, colo, pés estraçalhados por peças de Lego, cantigas inventadas para embalar, ombro amigo, enfermeira sem curso, Uber sem TVDE, cozinheira sem requinte e restos de slime. Faço o melhor que posso e espero conseguir chegar a velha e olhar para os meus filhos com o orgulho de saber que a minha dedicação se traduziu em bons seres humanos, com compaixão pelo outro, que se emocionam com vídeos de cães que encontram uma família e bebés que superam as suas dificuldades. Gente cuja máquina bate no peito a toque de uma espécie de manteiga mágica que os faz passar pelo mundo sem que sejam alheios a quem os rodeia.

Sou mãe, choro, sofro, dou comigo em modo Fernando Pessoa, ele tinha todos os sonhos, eu tenho todos os medos. Porque os quero tanto, lhes desejo tudo e por eles, às vezes, até acho que aprendia a voar.

Sou mãe, tomo más decisões. Digo não quando já não sei se sim era uma melhor escolha e digo sim para depois pensar que sou imbecil. Compro gomas duas horas depois de lhes dizer que se continuam assim nem a casa recebem de herança.

Sou mãe, sou esquecida. Prometo castigos que não cumpro e digo que no meu tempo era desta e daquela forma, porque já não sei que mais dizer. Viro peúgas, aspiro migalhas e arrumo brinquedos. Resmungo e garanto que não volto a fazer só para darem comigo, meio dia depois, na mesma precária condição.

Sou mãe, vivo com a culpa de nunca chegar. De dar a um e de sentir que falto com o outro.

À noite, quando os aconchego e lhes digo o quanto os amo, peço apenas que eles saibam, no fundo do coração, o quanto a mãe sempre os quis.

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08.02.23

Eu não consigo fazer tudo.
Aqui está. Disse. Não há hashtags que me valham. Nem #foco nem #nopainnogain nem #deusnocomando nem porra nenhuma.
Fraca me confesso e fraca me aceito sem réstia de culpa.

Não consigo ser profissional a tempo inteiro, ser mãe perfeita, ser esposa dedicada, ser dona de casa exemplar, ser uma leitora ávida, ser uma desportista de mão cheia e repleta de motivação, ser cozinheira com pratos saudáveis e bonequinhos de legumes que fazem os miúdos adorar brócolos.
Não consigo tudo. Às vezes até acho que não consigo nada.

Vou fazendo o que posso. Sendo empenhada no trabalho. Cuidando dos meus filhos e pondo-os sempre à minha frente, uns momentos só de beijos e mel, outros com berros e fel. Dando e procurando quem que ama e procura também, uns dias conseguindo falar de coisas que são só nossas, outros - muitos - sendo apenas uma equipa que resolve. Tratando das tarefas bem que chegue para que a loiça não seja uma pirâmide de pratos por lavar e a cesta da roupa um poço sem fundo. Lendo duas ou três páginas antes de deitar e às vezes adormecendo antes de terminar o último parágrafo. Sabendo que não me meto em forma com treinos de cinco, dez e quinze minutos, que me prometem um corpo esbelto quase sem esforço. Um corpo torneado custa tempo e dedicação. Fazendo sopa e salada a todas as refeições para compensar as batatas fritas que vão aparecendo, o esparguete com um toque de manteiga e a massa folhada que safa sempre quando uma pessoa já não sabe o que pôr na mesa.

Não consigo ser a mulher dos mil ofícios, perfeita em todas as frentes, poderosa, arranjada, perfumada, de cabelo esvoaçante e unhas cuidadas. Que faz tudo de acordo com uma agenda escrupulosamente organizada, uma agenda tão boa que nem olha para a logística necessária para transitar de uma tarefa para outra. Se calhar é só a minha logística.
Talvez um dia consiga. Mas não está para breve.
Para já sou só uma mulher imperfeita e incompleta a fazer o melhor que pode. E por estranho que pareça, neste mundo de aparências, até acho que estou bem assim.

 

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