Trinta e oito
O último dia de aulas do 1° período era vivido com um misto de emoções. Uma pequena parte de mim queria a pausa, estar 2 semanas sem cópias, ditados, verbos, contas e rios. Mas a maior parte de mim tinha pena. Depois de despachados os TPC, pouco havia para fazer. Tinha de arranjar entretens para dias cujo tempo demorava uma eternidade a passar. Os meus colegas - se não todos, uma boa parte - tinham primos que vinham da terra ou iam eles para a terra passar a quadra na casa dos avós. Eu tinha pena de não ter terra. Terra, daquela que se diz "vou à terra". Nasci em Almada, fui criada em Corroios, vivia na minha terra. Os meus pais, apesar de terem origens uma no norte e outro no sul, tinham fracas ligações às suas raízes.
As minhas primas tinham os avós que vinham do norte e as tias e primos que vinham do sul. Eu tinha-as a elas no andar de cima. Quer dizer, não as tinha bem a elas, porque elas recebiam as primas que vinham de longe e era com elas que queriam estar.
O tempo entre o último dia de aulas e o dia de natal era muito sozinho. Depois chegavam brinquedos que, fazendo par com a imaginação, ocupavam o espaço de gente de verdade. De resto era eu e a minha mãe, às vezes. Eu e as minhas ideias, sempre.
Depois meteu-se a adolescência, conheci quem, como eu, não tinha "terra" e como já saía por minha conta para ir onde me apetecesse todas as férias vinham a calhar.
Hoje é o último dia de aulas do meu filho. Anda eufórico (ainda que vá ter saudades dos amigos). Vai ter tempo para ler mais, ver televisão, jogar, passear e ir aqui e ali com o avô que está sempre pronto para arrancar para onde o neto quiser ir. É uma relação linda que têm. Um dia falo sobre isso. Linda, mas importa referir que juntos são piores que a máfia que trafica bolas de berlim, chupas e revistas com brinde.
Eu fiz-lhe umas bolachas originais de manteiga de amendoim. São originais, porque a receita diz que se chamam assim. Fiz um bolo de laranja também, para garantir que se abarcam os gostos da criançada.
E é isto. As férias dele começam, os meus neurónios estão a fazer as malas, dizem que querem ir para um sítio quente e voltar no início de janeiro.