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Exercício de escrita

Trinta e sete

15.12.22

Este fim de semana, enquanto me encaminhava para a cozinha para arranjar 3 papo secos mistos, recordei-me dos pequenos almoços faustosos das novelas brasileiras.

Cresci com as novelas brasileiras. A Tieta, a Rainha da sucata, a Tropicaliente, a Felicidade, a Vamp, a Malhação, O rei do gado e por aí em diante. Assistiamos ao fim de cada uma com a saudade de quem se despede de um parente que vai emigrar sem data para voltar. Esperavamos meses para saber como acabava e agora, que tínhamos o fim à frente, lamentavamos não voltar a ver as personagens que, aos poucos, se transformavam em pessoas que faziam parte do nosso dia a dia.

Em comum, para além de um enredo que se arrastava com romances e desgraças que pregaram famílias ao ecrã e punham vizinhas a comentar a sacanagem deste e daquele personagem, todas tinham um pequeno almoço de fazer os olhos saltar da cara. A pessoa estava a jantar umas salsichas mal amanhadas com um ovo estrelado e umas batatas Pala Pala e ao olhar para aquele manjar via o que tinha no prato minguar ainda mais. Pão de ló, pão de queijo, pão fresco, bolo de laranja, sumo acabado de espremer e papaia. Sempre meia papaia no prato. Nunca tinha visto uma papaia ao vivo e sonhava com o dia em que comeria tal fruto para aconchegar o estômago. Ninguém aparecia à mesa desarrumado, a menos que um dos filhos fosse drogado. Nesse caso, para dar realismo, lá vinha o jovem mal amanhado para a mesa, pq era um imprestável que não tinha capacidades para gerir os negócios da família e passava o dia com roupa de cama.

A minha cozinha não fica no piso de baixo, nem numa espécie de traseiras da casa - sítio destinado à criadagem -, está a escassos metros do meu quarto, deixando apenas espaço para que me veja despenteada, a envergar um pijama velho do meu marido, esquecida de que já está frio para dormir sem peúgas.

Quando chego à sala com os pães mistos fico com a impressão de que a mesa já está cheia de migalhas - é uma das muitas sensações que o meu filho me causa -, sento-me e a meu lado ouço um trovejar, e à bebé, sentada no carrinho a despejar o lixo para a fralda.
Não se via nada disto nas novelas brasileiras daquele tempo, e era uma pena.

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