Vinte
Conta-me mais daquelas tuas histórias engraçadas, mãe.
É o que ele mais me pede depois de pão com manteiga e iogurtes.
Não são as peripécias que merecem ser contadas, a minha vida é por demais costumeira e aquilo que tem valor de menção pouco de alegria tenho para lhe apontar. É a forma como lhe relato aquilo que aconteceu, como meto pelo meio uns pozinhos de palermice, que o encanta.
Digo-lhe: se olharmos com atenção, há poucas coisas mais divertidas do que a vida. Basta que olhemos com os olhos certos e que nos demos ao trabalho de encontrar a ponta solta que nos faz rir.
O sentido de humor é crucial à sanidade mental, à capacidade de encaixarmos o mal estar que a vida proporciona, à inevitável realidade de que tudo o que é bom acaba e tantas vezes mesmo na altura em que nos estávamos a divertir mais.
Conto-lhe a história do francês que ensandeceu no avião, da mulher que escrevia abacate com agá, do dia em que entrei no gabinete médico e estava um velhote de cu ao léu à espera da uma injeção.
Ele ri e pede mais.
Conto-lhe de quando vinha à praia com a avó Zé que está no céu, de como ficávamos sempre na praia da bola de Nívea, de como íamos de autocarro e das guloseimas que ela comprava à senhora que se arrastava pela praia com um saco de plástico gigante com batatas fritas e pacotes de línguas da sogra.
Falo-lhe de quando era pequena, porque é uma desculpa para lá voltar, ao tempo em que ser uma sereia ainda era possivel; porque é assim que lhe vou dizendo: aquela senhora ali, a do bolo fofinho, era a avó, consegues vê-la um bocadinho?